O filme adorável na Netflix que todas as pessoas deveriam assistir Divulgação / Netflix

O filme adorável na Netflix que todas as pessoas deveriam assistir

A ideia de destoar da maioria nunca é cômoda, nem para quem compõe esse grupo que dita as regras e tampouco para os que, por uma ou outra razão, não conseguem se enquadrar. O problema adquire a proporção de um verdadeiro cataclismo quando o rebelde em questão não passa de uma criança, que precisa, antes de qualquer outra coisa, de afeto. Para os meninos-gênios, a minoria da minoria, existir parece uma afronta às suscetibilidades dos outros — especialmente as dos estúpidos —, uma vez que o mundo em que habitam não é bem um ambiente aprazível aos simples mortais. Esses pequenos monumentos à superioridade humana, a um só tempo tão admiráveis e tão dependentes, tendem, com razão, a se isolar em seu universo ideal porque vão entendendo dia após dia que, além de ser esse um lugar muito mais estimulante, cheio de esferas que aos demais são pouco mais que um devaneio, sua condição não desperta o interesse de ninguém, sequer das pessoas que teriam de defendê-los e zelar para que se fizessem respeitados e, dessa maneira, fossem encarados como modelos do que a humanidade poderia ser. Se não inspiram nem a piedade de gente mais próxima, encerram-se em suas próprias idiossincrasias, em seus pensamentos mais insondáveis, e aí começa o perigo.

Ser muito mais inteligente que a maior parte das pessoas — o que nem sempre é tão difícil — pode ser uma graça e uma maldição, especialmente sem a tão falada base. O personagem-título de “O Jeremías” (2015) é um garoto aparentemente comum, exceto pelos muitos detalhes que o fazem tão singular. Anwar Safa apresenta o protagonista de seu longa sob a perspectiva complexa de um indivíduo em formação, mas cheio de lacunas que não pode preencher, exatamente como se dá com todo mundo. O roteiro de Ana Sofía Clerici compara as particularidades de alguém que anseia por se encontrar no mundo com as convicções de gente meio asselvajada, desmembrando aos poucos a gravidade de sua premissa. Uma família de caipiras simplórios, sem requinte algum, até meio imbecilizados, seria uma conjuntura aceitável para uma criança superdotada? Até onde o aconchego de quem a viu nascer far-lhe-ia bem? Vale a pena abdicar da convivência de pai e mãe a fim de desenvolver plenamente suas capacidades intelectuais? O amor pode ser substituído pela razão?

Safa tenta responder essas indagações do jeito mais amplo, fazendo com que seu filme oscile num movimento equânime, do coração para o cérebro, e vice-versa. Jeremías, o tipo excêntrico como todos os que não se sujeitam a reproduzir a mediocridade sempiterna do gênero humano, é um fenômeno. Aos oito anos, o tipo adorável encarnado por Martín Castro, faz às perguntas mais desconcertantes aos pais, a dona de casa Margarita, vivida por Karem Momo, e o frentista Onesimo, de Paulo Galindo, só para experimentar aquela frustração, ainda maior nas crianças, de nunca ver os mistérios da vida um pouco menos obscuros. A avó Audelia, interpretada por Marcela Sotomayor, e a matriarca Herminia, a bisavó do garoto, papel de Isela Vega (1939-2021), tampouco satisfazem sua curiosidade sobre os assuntos por que só ele se interessa. Na escola, Jeremías se depara com a perversidade característica das outras crianças e já começa a se habituar com a ideia de passar a vida de desalento em desalento, até que conhece dois novos amigos, Enrique e Felipe, o don G, idosos que preenchem os dias em infindáveis partidas de xadrez.

Enrique, de Jesús Ochoa, morre inesperadamente e cabe a don G, de um carismático Eduardo MacGregor (1930-2018) tentar fazer da vida do menino a maravilha que ela pode vir a ser, ainda que seja o próprio Jeremías quem se empenhe por sua virada. Ele procura pela internet no computador com que o pai lhe presenteia — o máximo que Onesimo pode fazer pelo filho alguém que o ajude; chega ao nome do doutor Federico Forni, o psicopedagogo meio charlatão de Daniel Giménez Cacho, e em pouco tempo se muda de Hermosillo para a mansão dele, na Cidade do México. Mas regressa mais amargurado que antes.

O desfecho da história pode ser triste ou feliz a depender do que se entenda por felicidade ou tristeza. Para mim, é melancólico, melancólico como a vida dos gênios. Mas a vida sempre vale a pena.


Filme: O Jeremías
Direção: Anwar Safa
Ano: 2015
Gêneros: Comédia/Drama
Nota: 8/10