A comédia mais aguardada de 2022 acaba de estrear na Netflix Saeed Adyani / Netflix

A comédia mais aguardada de 2022 acaba de estrear na Netflix

Não há ninguém no mundo que nunca tenha pensado haver nascido no tempo errado, no lugar menos propício, sob condições injustamente adversas e das pessoas mais inadequadas. Esses pensamentos torturam a alma e o corpo de muita gente às vezes por tempo demais — até por uma vida inteira — e não existe tanto assim a ser feito: se o indivíduo não resolve pegar o bicho feio chamado destino pelos chifres, arrastá-lo até pastagens seguras e domá-lo de uma vez por todas podem transcorrer anos, quiçá décadas, para que se tenha alguma ilusão quanto a se vencer a mais cruenta das guerras. Enquanto não se chega a esse termo, alguma coisa parece restar sempre por ser concluída, feito o alvorecer num dia sem sol, como se a noite não tivesse mais fim, prolongada pelo canto mavioso e sinistro dos pássaros madrugadores. Há quem resolva o enigma, há quem se feche para a vida e morra para tudo o mais que levanta e derruba o mundo, mas também existem os que passam por cima de uma tristeza impendente e renovam suas forças com a ajuda de um mecanismo admiravelmente imperfeito.

Um casal nada comum dá a “De Férias da Família” (2022) a profundidade que poucas comédias ditas banais, os tais besteiróis, alcançam. O diretor John Hamburg resolve abordar desilusões, sonhos frustrados, sonhos por deixar o limbo e emergir à superfície do real e, claro, o amor, onipresente nas relações humanas mais vigorosas e transformadoras, valendo-se de um núcleo familiar nada óbvio, e também por isso memorável, capaz de despertar a simpatia de públicos heterogêneos. Grande parte do mérito do filme de Hamburg se deve ao desempenho particularmente dedicado do protagonista. Kevin Hart é o homem certo para o papel certo e faz de Sonny Fisher um personagem memorável, guardadas as devidas proporções. “De Férias da Família” é uma produção assumidamente modesta, e é essa mesma a sua força. O diretor encaminha seu roteiro de modo a dar oportunidade a que todo o elenco, composto maciçamente de negros e latinos, tenha sua vez, o que imprime ainda mais fluidez aos enxutos 104 minutos. Tempo que não sobra nem falta para se contar uma boa história.

Sonny é pai, mas não chefe de família, posto que cabe a Maya, a arquiteta bem-sucedida interpretada por Regina Hall — e nunca houve nenhum problema entre eles por essa razão. O abismo que os separa, deslindado com cautela por Hamburg, diz respeito a uma certa resistência do personagem central em amadurecer. Dono de um carisma magnético, Hart consegue fazer vir à tona alguns aspectos estimulantes em Sonny. Ao passo que assume a nobilíssima função de educar e assistir aos filhos, Dashiell e Ava, de Che Tafari e Amentii Sledge, ele também mete os pés pelas mãos ao querer se mostrar sempre solícito aos amigos, em especial Huck Dembo, que conhece desde tenra idade. Prestes a completar 44 anos, o tipo um tanto marginal vivido por Mark Wahlberg faz questão de contar com a presença do companheiro de toda a vida. Sonny continua a querer-lhe bem, mas os rumos que cada um escolheu tomar faz com que o protagonista verbalize com todos os esses e erres que não tem mais energia — e nem vontade — de despender uma noite de bebedeira (e outras farras) acompanhado de gente recém-saída da adolescência. Uma boa reviravolta na trama acaba garantindo que compareça à pândega e reviva tempos que se supunha mortos, como os que registra a abertura do longa, quinze anos atrás no deserto de Utah, oeste dos Estados Unidos.

Hamburg entulha o filme de uma pletora de subtramas, todas anticlimáticas em maior ou menor proporção e bastante duras de engolir. À participação de Luis Gerardo Méndez como Armando, espécie de guru do capitalismo que se aproxima de Maya e desperta a fúria ciumenta de Sonny, juntam-se as figuras de Thelma, personificada por Ilia Isorelys Paulino, e Stan, de Jimmy O. Yang, em extremos opostos, mas que vibram no mesmo diapasão: poluir o enredo de passagens escatológicas, sempre dispensáveis. Nesse particular, a atuação de Méndez ganha destaque graças a nuanças menos chapadas de seu personagem, um ricaço mulherengo e solitário.

Esse pecado de “De Férias da Família” — sempre pelo excesso, nunca pela falta — é até capaz de se constituir um capital do trabalho de Hamburg, responsável por outros filmes de escopo semelhante, qual seja, fazer com que a plateia simplesmente esqueça da vida. E nada como, de quando em quando, imaginar que todos os problemas da nossa patética existência se resolvem com um besteirol tolinho, como numa das finadas matinês de antanho.


Filme: De Férias da Família
Direção: John Hamburg
Ano: 2022
Gêneros: Comédia
Nota: 8/10