Novo filme da Netflix sobre amores impossíveis é muito mais profundo do que você imagina Agnete Brun / Netflix

Novo filme da Netflix sobre amores impossíveis é muito mais profundo do que você imagina

A vida é um mistério e o amor talvez seja o que há de mais inexplicável no mistério da vida. Dois corpos independentes, duas trajetórias muitas vezes opostas, mas que subitamente, como por encanto, convergem numa direção comum, fazendo o que parecia meio gris e sem sentido reviver num espetáculo de cores, brilho e novas perspectivas. Pode-se viver essa experiência em todas as quadras do nosso tempo sob o sol, mas por óbvio é durante a juventude que conseguimos absorver com a agilidade necessária todos os muitos estímulos com que a vida nos regala e, a partir de então, ter claro que viver é muito mais que esperar que o amor se concretize: é querer que a vida se revele em seus detalhes mais secretos, até obscuros, subjugando os próprios medos e permitindo-se ser quem sempre se fora, por mais que as contingências se mostrem adversas. Evidentemente, há tropeços pelo caminho, há enganos, mas a própria vida acaba por encarregar-se deles, apartando o que tem valor e deve permanecer daquilo que se esfacela ao toque mais sutil, como se feito para se autodestruir depois de pouco tempo.

Os diretores noruegueses Emilie Beck e Per-Olav Sørensen elaboram um canto ao amor — malgrado repleto de acordes desafinados e cuja melodia nem sempre conduza ao passo mais harmonioso — em “Royalteen” (2022), história de um romance quase onírico, mas que se faz real a despeito dos julgamentos de quem está de fora, vibrando em frequência muito diferente. Os diretores conseguem desenvolver a história central ao passo que vão distribuindo pistas acerca do que querem contar. O roteiro de Sørensen e Ester Schartum-Hansen leva o espectador a pensar que a trama não irá muito além de um mero romance adolescente, apto a repisar todos os chavões do gênero, acrescentando o elemento mais ou menos inusitado — mas que também não é nenhuma novidade — de que o título dá uma ideia vaga. Histórias de vidas desditosas, traumas que insistem em se sobrepor ao inexorável tempo, encontros, desencontros, algumas das situações adversas que se pode enfrentar ao longo de uma jornada ainda curta surgem sem firulas num enredo modesto, cônscio de suas limitações (ainda que se tenha uma impressão contrária à primeira vista) e, justamente por essa razão, admirável.

Lena, a anti-heroína de Ines Hoysaeter Asserson, surge em agonia, despertando na abertura do longa, como se pressentisse os momentos de ultraje que o destino lhe reserva. O público compartilha dessa sensação de desajuste, que se restringe a este primeiro trecho para voltar só algum tempo depois, com a história já bastante adiantada. Asserson domina a personagem, imprimindo-lhe as nuanças que autorizam o público a enxergá-la como a garota doce que de fato é, mas que se esforça por conservar longe da curiosidade e da maledicência alheias detalhes escabrosos de seu passado. À medida que o filme toma corpo, vão se descortinando alguns de seus tantos enigmas, entre eles o porquê de ter se mudado de Oslo para um vilarejo pacato no interior da Noruega. Como sói acontecer também na vida como ela é, Lena se torna próxima do garoto mais popular da escola, não propriamente por suas qualidades, mas por ser o príncipe herdeiro — malgrado o país seja uma monarquia parlamentarista e figura do rei tenha muito de puro simbolismo.

A plebeia e o príncipe Karl Johann, o Kalle, vivido por Mathias Storhøi, viram grandes amigos e logo desponta o romance que serve de pano de fundo a fim de que Beck e Sørensen tratem de temas como a boa e velha luta de classes, dramas familiares e, claro, as inconsequências dos verdes anos. O amor de Lena e Kalle entra no radar dos sites de fofocas e a realeza passa a ser um alvo ainda mais vulnerável. A pressão sobre o futuro soberano, bem como a doença da rainha fomentam o estímulo que ainda faltava para que a princesa Margrethe, de Elli Osborne, intervenha, valendo-se da descoberta do grande segredo de Lena.

É justamente em torno da irmã de Kalle que “Royalteen” passa a girar, inclusive depois que tudo vem a público e o casal de protagonistas dança de rosto colado no baile de formatura. A última cena, com a personagem de Osborne monopolizando as atenções, sugere uma continuação. Mas não precisava.


Filme: Royalteen
Direção: Emilie Beck e Per-Olav Sørensen
Ano: 2022
Gêneros: Drama/Romance
Nota: 7/10