Não raro, o terror e o ridículo andam lado a lado. Diretores de correntes as mais variadas, que ganham alguma proeminência com o terror, mas que começam mesmo a se estabelecer na carreira filmando enredos de outras naturezas, guardam por seus patinhos feios uma afeição latente, que acaba por trazê-los de volta ao ponto de partida. Há quem renegue o passado, havendo por bem concentrar-se nos filmes que em pouco lembram as produções quase artesanais de outrora, mas diretores corajosos, autênticos, que mais que se orgulhar sentem por essas histórias um carinho que transcende a projeção mercadológica que atingiram. Aliás, um dos maiores predicados das tramas que se dedicam a mostrar o lado mais obscuro do homem é circundar restrições orçamentárias e fazer o máximo com o mínimo de dinheiro, e esse, queira-se ou não, é um excelente corte para separar os gênios dos medíocres. O talento excepcional de um diretor, muitas vezes sufocado pela onipresença esterilizadora da tecnologia, é colocado à prova e pode ou não resistir, a depender do que ele tenha de tão inovador a apresentar ao mundo.
“Arraste-me para o Inferno” (2009) tem a natureza de uma declaração de amor de Sam Raimi ao gênero que o consagrou, e que continua a fazer muito bem. Depois de trabalhos faraônicos como os dispostos ao longo da franquia “Homem-Aranha” e “Uma Noite Alucinante nada como fazer o que se gosta. A propósito, dinheiro aqui é o trampolim de que Raimi salta para abordar temas profundos, tangidos em alguma medida pelo vil metal. O diretor escolhe ancorar suas elucubrações acerca das perversões do capitalismo na figura de uma analista de crédito bancário, só mais um dente da roda de moer dignidades inventada pelo homem. O filme vai se assentando sobre sua figura dialética, frágil e cruel a um só tempo, como se quisesse vingar-se das muitas baixezas que vinha sendo obrigada a suportar. Fosse lá o que tivesse em mente, seu plano soçobra com estardalhaço, antes mesmo de sentir o gosto agridoce da reparação, como se não pudesse mesmo arredar-se de seu destino de subserviência.
Christine Brown, essa mulher sob Influência, é encarnada com cuidado por Alison Lohman, que consegue absorver os tantos conflitos em torno de sua personagem da maneira mais delicada, abrindo mão de apelações de qualquer tipo. Christine namora Clay Dalton, o colega almofadinha vivido por Justin Long, um boa-praça que vai se mostrar sobre-humanamente compreensivo, talvez até a ponto de ser ele a grande aberração no texto de Sam e Ivan Raimi, seu irmão mais velho, médico e roteirista bissexto. Ao atender Sylvia Ganush, a cigana interpretada por Lorna Raver, está prestes a se jogar no precipício de desespero marcado pelos tantos jumpscares mediados pelas trucagens da equipe coordenada por Chris Burton. A velha, paramentada com todos os adereços próprios das bruxas de contos de fadas como um olho baço, unhas necrosadas, uma dentadura amarelada e tira sem a menor cerimônia e o lenço com que cobre a cabeleira grisalha, precisa estender o prazo para quitar a hipoteca de sua casa. Mesmo sabendo que o banco já cumpriu todo o frio protocolo relacionado a situações como essas, Christine leva o caso ao gerente Jacks, de David Paymer, que faculta a ela a decisão final. A personagem de Lohman sufoca a emoção, diz à cigana que ela deve se preparar para sair do imóvel e desse ponto em diante passa a sofrer os ataques da feiticeira, que lança sobre ela a maldição que a persegue até o desfecho.
Raimi trabalha suas considerações acerca de tópicos como possessão demoníaca, magia negra e mediunidade mostrando a vulnerabilidade da mocinha, cujo rol de inimigos não para de aumentar. Sua instabilidade diante da cigana é tanta que vai à procura de Rham Jas, o curandeiro de Dileep Rao que primeiro lhe cobra uma quantia irrisória para “ler sua sorte”, mas numa segunda consulta exige dez mil dólares em dinheiro para dar um fim a problema da heroína. Christine empenha quase tudo o que tem, mas não amealha nem 40% do valor. Mesmo assim Jas a acompanha a Shaun San Dena, espécie de papisa das forças ocultas, interpretada por Adriana Barraza, mas o ritual não se completa. O enredo se arrasta um pouco até a última sequência, mesmerizante tanto em seu vigor estético como na retórica, uma boa lição para quem teima em seguir falsos profetas.
Filme: Arraste-me para o Inferno
Direção: Sam Raimi
Ano: 2009
Gêneros: Terror/Sobrenatural
Nota: 8/10