Enquanto o mundo ao redor segue seu roteiro de loucura, caos, crime e morte, nos limites da Organização das Nações Unidas, em Nova York, diplomatas e chefes de Estado discutem o futuro da humanidade. Com o surgimento da filosofia, no século 6 a.C., o homem consegue alguma explicação para as muitas inquietações da alma humana. Ao tentar entender o que vai no espírito de cada indivíduo, tomando justamente o caráter de especificidade, em que cada um é responsável por suas próprias escolhas, pelo caminho que decide trilhar — que por tortuoso que seja, sempre pode conduzir a algum lugar de proveito —, por seus malogros e suas glórias, o pensamento filosófico se organiza a fim de dar à vida uma ideia de que tudo converge para um mesmo fim, que, em resumidas palavras, remonta à interação com os outros e, por óbvio, ao modo como processamos essas novas informações à luz da nossa própria visão acerca da existência com o intuito de alcançar um aprimoramento da alma. Muitas vezes tida por algo hermético, reputação injusta, cuja aplicação é reservada a uns poucos iniciados, dada a sua natureza ser calcada no conhecimento mais refinado, a filosofia se faz também no dia, uma vez que estamos sempre nos defrontando com circunstâncias provocativas, desafiadoras, que exigem de nós decisões rápidas, eficazes e, muitas vezes, definitivas. Ou seja, a filosofia nada mais é que a escolha do que se apresenta como o melhor caminho, não para nós nem pautado pelo que nós julgamos a decisão mais reta, mas para a coletividade, que pode ser um casal ou todo o gênero humano, fundamentada sobre valores universais. Quiçá um sonho, mas o sonho de uma legião de sonhadores.
O descompasso entre realidade e utopia se agrava quando a personagem-título de “A Intérprete” (2005) flagra uma conversa nada amistosa, e dessa forma acaba por provocar a desconfiança de um policial sobre sua figura insuspeita. No último trabalho de uma carreira de quase cinco décadas, Sydney Pollack (1934-2008) presenteia o espectador com um grande filme, em que tudo quanto se vê faz questão de ter diversos pontos de vista, cada qual mais intrincado que o outro. Contando com uma vasta experiência, primeiro diante das câmeras e pouco depois como diretor, Pollack é um modelo de polivalência no cinema. Sua estreia, como ator, em “Obsessão de Matar” (1962), dirigido por Denis Sanders (1929-1987), foi logo seguida da realização do primeiro projeto como empreendedor na indústria cinematográfica. No poético “Uma Vida em Suspense” (1965), Pollack faz a transição da promissora jornada de galã que se vinha erigindo para a sofisticação como diretor ao contar a desventura de um estudante de psicologia, voluntário num programa para a prevenção de suicídios, ao travar contato com uma dona de casa prestes a cometer uma loucura. A fixação por figuras atormentadas, da mesma forma que a imagem da comunicação servindo como esteio para salvar ou perder vidas e a paz de espírito de indivíduos comuns, despontava num trabalho esteticamente complexo, repleto de metáforas acerca da necessidade de superar obstáculos imprevistos. Em “A Intérprete”, o diretor mantém o ímpeto de buscar explicações para os fenômenos misteriosos das relações entre os homens, de maneira a fortalecer os detalhes.
Silvia Broome, a tradutora vivida por Nicole Kidman, já deixava a sede da Organização das Nações Unidas, onde verte de um idioma para o outro declarações de chefes de Estado e autoridades de primeiro escalão do mundo todo. Com o toque de realismo necessário em enredos assim, o roteiro de Brian Ward, Charles Randolph, Scott Frank, Steven Zaillian e Martin Stellman, em cujo romance homônimo o longa é baseado, torna mais palpáveis os acontecimentos que se vão deslindar no decorrer da história, de um noir que fica mais evidente à medida que a personagem de Kidman se aproxima de Tobin Keller, o agente do Serviço Secreto de Sean Penn. Ao passo que um possível envolvimento romântico entre os dois nunca se concretiza — a despeito da última sequência, uma das mais bonitas da história do cinema ao retratar amores malfadados —, o caráter político da trama esquenta e esfria, até que fique definitivamente explícito quem são os mocinhos e os vilões.
Filme: A Intérprete
Direção: Sydney Pollack
Ano: 2005
Gêneros: Thriller/Drama
Nota: 9/10