Filme com Joaquin Phoenix, no Prime Video, é um dos filmes mais bonitos que estrearam no Brasil em 2022 Julieta Cervantes / A2

Filme com Joaquin Phoenix, no Prime Video, é um dos filmes mais bonitos que estrearam no Brasil em 2022

Eu me recordo de que na minha infância eu era vista como uma espécie de prodígio pelo meu pai. Apaixonada por livros desde muito cedo, antes mesmo da pré-escola eu já lia com a rapidez e dicção de um adulto e já tinha algumas pequenas obras literárias da série Vaga-Lume no meu currículo de leitura. A cada pergunta do meu pai sobre coisas da vida e eu tinha uma resposta sabichona para dar. Eu imitava personagens de desenho com detalhes de trejeitos e tinha um talento musical, que levou meus pais a me colocar desde cedo em aulas de música.

Cresci e não me tornei nenhum Einstein, à despeito das expectativas do meu pai. Apenas uma mulher comum, com alguma habilidade pela escrita (que se tornou minha profissão) e pelas artes em geral. E isso me faz refletir que somos muito mais sábias como crianças, que como adultos. Há algo em sua sensibilidade e honestidade que perdemos com o tempo. É claro que as experiências de vida nos tornam mais preparados para os problemas e situações, mas a nossa visão prática de mundo na infância parece muito mais descomplicada e gentil.

E é em torno da visão que as crianças têm do mundo que o produtor de rádio Johnny, de “Sempre em Frente”, filme de 2021, do cineasta Mike Mills, realiza seu trabalho. Ele coleta depoimentos de meninos e meninas de diversas camadas sociais pelos Estados Unidos sobre seus pensamentos em relação às mudanças climáticas, o futuro, o desmatamento, a extinção de animais, a prisão de pais imigrantes, dentre outros temas profundos e complexos. E as respostas são sempre impressionantes, porque as crianças sempre entendem mais do que imaginamos, embora exista uma cultura de tentar “protegê-las da realidade”.

Uma das crianças entrevistadas por Johnny é Devant Briant, de 9 anos, que pouco depois foi morto em um tiroteio no quarteirão de casa, em um bairro de Nova York. O diretor Mike Mills fez uma dedicatória a ele no filme.

“Sempre em Frente” é completamente em tons de cinza. Sem muito contraste, garantindo um ar de melancolia, em oposição à atuação de Woody Norman, que interpreta Jesse, sobrinho de Johnny. Engraçado, empolgado, desafiador e extremamente esperto, Norman rouba a cena com a espontaneidade de seu próprio jeito de criança. No filme, ele fica sob os cuidados integrais e temporários do tio Johnny, enquanto sua mãe dá apoio ao pai, que está internado com transtornos mentais.

Johnny é de Los Angeles, mas está em Nova York para coletar mais áudios de crianças para seu projeto. Enquanto isso, divide o trabalho com a tarefa desafiadora de tomar conta do sobrinho. Às vezes ele falha, como quando Jesse some em uma loja e depois reaparece dando um baita susto em Johnny, que furioso briga com o menino. A resposta da criança é se afastar com medo do tio. Com a consciência pesada por ter gritado com Jesse, Johnny desabafa com a irmã por telefone, que lhe orienta sobre o que fazer.

A maternidade e a paternidade é algo que só se aprende na prática, embora existam milhares de livros, estudos e teorias sobre como cuidar de uma criança. A realidade é sempre bem diferente, já que não controlamos as emoções delas e, às vezes, nem as nossas. E o filme também é sobre essa adaptação na vida de Johnny.

“Sempre em Frente” não é um filme sobre algum acontecimento. Pelo contrário, é sobre o cotidiano, portanto, não há clímax, não há desfecho. As coisas são o que são. A atuação de Joaquin Phoenix é tão pura e vulnerável quanto já conhecemos de outras produções, mas nunca deixa de impressionar, provando que ele é realmente o maior ator da atualidade. Se você quer um carinho na alma, o filme de Mike Mills vai te proporcionar isso.


Filme: Sempre em Frente
Direção: Mike Mills
Ano: 2021
Gênero: Drama
Onde ver: Amazon Prime Video
Nota: 9/10

Fer Kalaoun

Fer Kalaoun é editora na Revista Bula e repórter especializada em jornalismo cultural, audiovisual e político desde 2014. Estudante de História no Instituto Federal de Goiás (IFG), traz uma perspectiva crítica e contextualizada aos seus textos. Já passou por grandes veículos de comunicação de Goiás, incluindo Rádio CBN, Jornal O Popular, Jornal Opção e Rádio Sagres, onde apresentou o quadro Cinemateca Sagres.