Eu me recordo de que na minha infância eu era vista como uma espécie de prodígio pelo meu pai. Apaixonada por livros desde muito cedo, antes mesmo da pré-escola eu já lia com a rapidez e dicção de um adulto e já tinha algumas pequenas obras literárias da série Vaga-Lume no meu currículo de leitura. A cada pergunta do meu pai sobre coisas da vida e eu tinha uma resposta sabichona para dar. Eu imitava personagens de desenho com detalhes de trejeitos e tinha um talento musical, que levou meus pais a me colocar desde cedo em aulas de música.
Cresci e não me tornei nenhum Einstein, à despeito das expectativas do meu pai. Apenas uma mulher comum, com alguma habilidade pela escrita (que se tornou minha profissão) e pelas artes em geral. E isso me faz refletir que somos muito mais sábias como crianças, que como adultos. Há algo em sua sensibilidade e honestidade que perdemos com o tempo. É claro que as experiências de vida nos tornam mais preparados para os problemas e situações, mas a nossa visão prática de mundo na infância parece muito mais descomplicada e gentil.
E é em torno da visão que as crianças têm do mundo que o produtor de rádio Johnny, de “Sempre em Frente”, filme de 2021, do cineasta Mike Mills, realiza seu trabalho. Ele coleta depoimentos de meninos e meninas de diversas camadas sociais pelos Estados Unidos sobre seus pensamentos em relação às mudanças climáticas, o futuro, o desmatamento, a extinção de animais, a prisão de pais imigrantes, dentre outros temas profundos e complexos. E as respostas são sempre impressionantes, porque as crianças sempre entendem mais do que imaginamos, embora exista uma cultura de tentar “protegê-las da realidade”.
Uma das crianças entrevistadas por Johnny é Devant Briant, de 9 anos, que pouco depois foi morto em um tiroteio no quarteirão de casa, em um bairro de Nova York. O diretor Mike Mills fez uma dedicatória a ele no filme.
“Sempre em Frente” é completamente em tons de cinza. Sem muito contraste, garantindo um ar de melancolia, em oposição à atuação de Woody Norman, que interpreta Jesse, sobrinho de Johnny. Engraçado, empolgado, desafiador e extremamente esperto, Norman rouba a cena com a espontaneidade de seu próprio jeito de criança. No filme, ele fica sob os cuidados integrais e temporários do tio Johnny, enquanto sua mãe dá apoio ao pai, que está internado com transtornos mentais.
Johnny é de Los Angeles, mas está em Nova York para coletar mais áudios de crianças para seu projeto. Enquanto isso, divide o trabalho com a tarefa desafiadora de tomar conta do sobrinho. Às vezes ele falha, como quando Jesse some em uma loja e depois reaparece dando um baita susto em Johnny, que furioso briga com o menino. A resposta da criança é se afastar com medo do tio. Com a consciência pesada por ter gritado com Jesse, Johnny desabafa com a irmã por telefone, que lhe orienta sobre o que fazer.
A maternidade e a paternidade é algo que só se aprende na prática, embora existam milhares de livros, estudos e teorias sobre como cuidar de uma criança. A realidade é sempre bem diferente, já que não controlamos as emoções delas e, às vezes, nem as nossas. E o filme também é sobre essa adaptação na vida de Johnny.
“Sempre em Frente” não é um filme sobre algum acontecimento. Pelo contrário, é sobre o cotidiano, portanto, não há clímax, não há desfecho. As coisas são o que são. A atuação de Joaquin Phoenix é tão pura e vulnerável quanto já conhecemos de outras produções, mas nunca deixa de impressionar, provando que ele é realmente o maior ator da atualidade. Se você quer um carinho na alma, o filme de Mike Mills vai te proporcionar isso.
Filme: Sempre em Frente
Direção: Mike Mills
Ano: 2021
Gênero: Drama
Onde ver: Amazon Prime Video
Nota: 9/10