Nós, um milagre à procura da autoextinção

Nós, um milagre à procura da autoextinção

Zumbis não existem, mas ET’s inteligentes, por mais que também nos assustem, constituem uma ideia realista. Ficções sobre invasão alienígena são menos irreais pelo tema (extraterrestres) do que pela lógica. Um conflito desta natureza possivelmente nem existiria. Se a tecnologia necessária para nos alcançar pressupõe velocidade da luz, dobras espaciais e buracos de minhoca, é deduzível que sequer teríamos tempo — e mesmo condições — de reagir a um ataque desta natureza. Assim, “Independence Day” (1996) é só um divertimento infantil em glorificação ao imenso umbigo norte-americano e sua disposição para o sacrifício heroico. “Guerra dos Mundos” (2005) é realmente assustador, mas os tripods não convencem: são geringonças ainda muito primitivas para quem domina tecnologias capazes de romper o espaço-tempo, e talvez subverter as leis da física. O imaginário fantástico apresentado em “O Dia em que a Terra Parou” (2008) estaria mais próximo da realidade. E a realidade é que alienígenas inteligentes — capazes, sim de serem hostis —, podem existir. A Ciência não os descarta. Isto não significa que a ufologia seja confiável ao apresentar registros de incontáveis avistamentos e abduções, mundo afora. Em geral são péssimos registros, e a variação dos relatos a respeito das formas das eventuais criaturas e de suas espaçonaves é tamanha que sugere uma infinidade de ET’s visitando a Terra como se isso fosse simples, a ponto de tornar-se corriqueiro. Deriva daí parte do ceticismo daquela mesma Ciência em relação ao empenho dos ufólogos. Há um claro desacordo entre esse “hábito” alienígena, as distâncias astronômicas do Universo e — até onde sabemos — a raridade da vida inteligente.

Ainda assim é razoavelmente improvável que sejamos a única espécie deste tipo no Universo. Ele é muito grande. Tão grande que nos torna especiais numa vastidão imensurável. Isso não tem nada a ver com autoestima, mas com números, e daí se quiserem fundamentar o pensamento religioso, vai de cada um, embora advenha do fato de sermos indiscutivelmente uma raridade biológica. O diâmetro do Sistema Solar é de 11 horas-luz. Significa que a 300 mil km por segundos a luz leva 11h para atravessar o Sistema Solar de uma ponta a outro. Sabe-se hoje que, excluindo a espécie humana, não há outra com o mesmo grau de evolução nessa gigantesca região do espaço. Contando a partir da extremidade do Sistema Solar, a estrela mais próxima, Alpha Centauri, dista 4,3 anos-luz. Com efeito, se uma estrela é uma das condições para a existência de vida, então é fato que vida inteligente fora da Terra estaria afastada de nós por esses 4,3 anos luz de distância do Sistema Solar somados à distância da Terra até esta fronteira. No mínimo. Somos, assim, senhores de um verdadeiro latifúndio espacial. Com a tecnologia necessária poderíamos dominar toda esta região do Universo — e melhor: sem gerar conflitos territoriais.

Nosso problema para isso é a tecnologia. As naves atualmente fabricadas, à base de motores de propulsão, alcançam a espantosa velocidade de 50 mil km por hora. Estima-se que a viagem de ida da Espace X, de Elon Musk, a Marte, levará um ano, dois meses e quinze dias para cobrir os 54 milhões de km que nos separam do planeta vermelho. Lá não há ET’s inteligentes. Mas, de acordo com o físico Marcelo Gleiser, nessa mesma velocidade — insignificante para as distâncias intergalácticas — os terráqueos levariam entre 80 e 100 mil anos para alcançar seus possíveis “vizinhos de muro”, supondo que eles existam não em Marte mas em Alpha Centauri. Para se ter um termo de comparação, a História humana tem 5 mil anos de existência. Portanto, sim: com a tecnologia atual gastaríamos no mínimo 16 histórias da humanidade para cobrir tamanha quantidade de espaço, até nossos possíveis vizinhos… mais próximos. A matemática, se de um lado expõe quão grande é a nossa solidão, de outro revela quão raro é o fenômeno da vida inteligente numa escala considerável do Universo conhecido, só mensurável em anos-luz. Ficar deprimidos ou de estima elevada depende de como encaramos este fato estupendo.

Talvez a maneira mais eficiente de saber se estamos acompanhados de vida inteligente são os sinais de rádio, tanto os que emitimos quanto, principalmente, os que recebemos, na Terra. Trata-se de uma tecnoassinatura: elas indicam domínio tecnológico complexo. Até hoje um único sinal consistente, com tais características, foi registrado, e a distância que cobriu torna a de Alpha Centauri — 16 vezes a História humana — irrelevante. Chama-se sinal WOW! que é um mistério desde então. O registro de 72 segundos fora captado em agosto de 1977 por um radiotelescópio de Ohio, Estados Unidos, por obra do astrônomo Jerry R. Ehman. A fonte emissora localiza-se na constelação de Sagitário, a 10 mil anos-luz de distância da Terra. Ou seja, a onda sonora saiu de lá há 10 mil anos-luz (isto é, no passado). Se é que deriva de uma civilização esta talvez nem exista mais. Seja como for, é uma distância milhares de vezes além da de Alpha Centauri, onde nem sonhamos chegar. Até hoje não recebemos respostas dos sinais que enviamos desde meados do século 20. Então, a menos que os possíveis alienígenas inteligentes estejam interessados em se esconder de nós, há duas possíveis razões para o silêncio que nos cerca: 1) não existem ET’s nos limites já alcançados pelas emissões humanas — que, aliás, já transcenderam Alpha Centauri — ou, 2) os aliens estão além desses limites, fora, portanto, do alcance de “Let it Be”, dos Beatles. (Pior para eles!)

Embora muito, mas muito distantes de nós, os aliens têm a estatística a favor de sua existência, no entanto. Havendo sextilhões de estrelas no Universo, é pouco provável que condições similares às da Terra não se reproduzam em inimagináveis sistemas solares. Somente na Via Láctea, onde estamos — e que é tão pequena se comparada ao Cosmo mapeado, a ponto de seu diâmetro de 105 mil anos-luz ficar invisível —, estima-se que haja no mínimo 200 bilhões de estrelas. Além dessa quantidade assombrosa, a distância não impede que as leis da física e da química sejam as mesmas em qualquer lugar do espaço, seja na Terra ou nos Pilares da Criação (aglomerados de poeira e gás a sete mil anos-luz daqui). Não há, portanto, nenhuma razão especial para sermos únicos ou estarmos sós: civilizações até mais avançadas do que a nossa devem existir, só não sabemos onde. Essa aposta deriva, ademais, de pelo menos duas formas de se calcular as probabilidades de vida inteligente em outras planetas: uma é a Equação de Drake, a outra é a Escala de Kardashev.

Proposta em 1961 pelo astrônomo norte-americano Frank Drake, a equação homônima é um conjunto multiplicável de sete variáveis fundamentais. Elas combinam tanto a taxa de surgimento de novas estrelas na Via Láctea (duas por ano, em média) quanto as possiblidades de um planeta possuir água em estado líquido. O que importa não é exatamente explicar tal fórmula, e sim revelar suas conclusões. Em termos simplificados, a Equação de Drake é um elenco de obstáculos, baseados na experiência humana para ter conseguido existir como civilização tecnológica. Se tais obstáculos funcionam para explicar o surgimento e evolução da espécie humana, em tese serviriam também para possibilitar outras formas de vida fora do Sistema Solar. O essencial é que as variáveis — físicas, naturais e biológicas — sejam satisfeitas. Estamos falando de uma verdadeira loteria, sob qualquer ponto de vista. Senão vejamos. A conclusão otimista da Equação de Drake é esta: somente na Via Láctea podem existir até 30 milhões de civilizações tecnológicas, capazes de fazer contato conosco. Elas teriam uma existência da ordem de um bilhão de anos, que é o tempo médio de vida de uma estrela. Já a conclusão pessimista (ou mais realista) diz que existe apenas uma chance em 100 milhões de termos “vizinhos” parecidos conosco, caso se perpetuem por pelo menos 400 anos com tecnologia disponível para fazer contato. Nessas condições, cai para 30% a chance de termos um único vizinho na mesma Via Láctea. Somente há um século dominamos os sinais de rádio, mas o raciocínio desconcertante se aplica a nós: conforme Drake, havia 100 milhões de chances de dar tudo errado conosco contra uma de dar tudo certo: bastaria, por exemplo, não existir a Lua. Esta é a nossa milagrosa situação. E há líderes mundiais, na atual conjuntura, dispostos a mandar tamanho milagre pelos ares!

A tecnologia de autodestruição é um dos fatos que podem impedir civilizações de avançar além do estágio Um na Escala de Kardashev: o do domínio planetário. Também explicaria o silêncio universal em torno da espécie humana. A Escala em questão foi proposta pelo astrofísico russo Nikolai Kardashev em 1964, e sua ideia é bastante elementar: energia é o que essencialmente move as civilizações (a guerra entre Rússia e Ocidente é um excelente exemplo). Pode ser a energia de um planeta (estaríamos a 0,73 nesse estágio), de uma estrela, uma galáxia ou, em tese, a energia do próprio Universo. É improvável que haja civilizações neste último estágio na Via Láctea porque poderíamos detectá-las em comprimentos de ondas de calor. Isso não aconteceu, até hoje. Também não se confirmaram as suspeitas sobre certos comportamentos que poderiam indicar uma civilização de tipo Dois: tais comportamentos seriam causados por pulsares e não por esferas de Dyson (painéis “solares” em torno de estrelas). Assim, aquela única civilização entre 100 milhões, da Equação de Drake — se é que existe — estaria como a nossa confinada entre Zero e Um na Escala de Kardashev: a do domínio planetário. Isso explicaria por que nunca fizeram contato conosco e vice-versa. Existindo por sua vez civilizações muito mais avançadas do que a nossa, elas estão tão além no espaço vazio, escuro e profundo que levaríamos centenas ou milhares de anos para conseguir contactá-las. O inverso pode não suceder: sendo elas tão avançadas, devemos torcer para não serem hostis, caso nos descubram.

É discutível se um planeta tão longe e tão pequeno, como a Terra, na escala Zero de Kardashev, de fato interessaria a civilizações de tipo Dois ou Três. Capazes de absorver recursos energéticos de estrelas e galáxias inteiras isto parece bem improvável. Infelizmente, não ligamos para nossa imensa sorte, nem valorizamos a preciosa raridade de nossa frágil existência. Também não precisamos de inimigos externos, pois alimentamos obsessivamente a autoextinção já quase irreversível. A pulsão suicida da natureza humana, ofuscada pelo glamour e a megalomania dos que poderiam contê-la (líderes políticos e corporativos), é mais enigmática e mais assustadora do que o espaço mais profundo.