Thriller de tirar o fôlego na Netflix vai te manter na ponta do sofá do início ao fim

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É impossível falar de “Connected” sem falar de “Celular — Um Grito de Socorro”. Lançado em 2008, o filme do diretor honconguês Benny Chan (1961-2020), é uma versão mais sofisticada do longa que lhe deu origem, de quatro anos antes. Em “Celular”, o californiano David R. Ellis (1952-2013), usava a premissa reciclada por Chan para dar vazão ao lado aventureiro que cultivara ao longo da bem-sucedida carreira como dublê: uma mulher sequestrada sem qualquer razão aparente encontra restos de seu celular velho, que consegue reparar ao torcer um ou outro fio, até que a traquitana lhe permita ligar para um número aleatório e falar com seu possível salvador. Tudo o mais é o ramerrão de sempre — perseguições, lutas muito bem coreografadas, tiros —, permeado por tentativas meio vexatórias de exaltação à família, o que, justiça se lhe faça, não é uma exclusividade do gênero. No caso do cinema asiático, o expediente se repete com frequência algo incômoda, e parece que o único respiro que se vislumbra a fim de dar um tempo da pedreira é esse mesmo.

Chan foi, sem dúvida, um diretor de talento, embora lhe faltasse o gênio da curiosidade, da subversão. Talvez o trabalho em que tenha flertado mais desabridamente com a ideia de experimentação seja “Três Ladrões e um Bebê” (2006), estrelado pelo onipresente Jackie Chan, sobre um trio de bandidos que sequestra o filho de uma família rica e acaba se afeiçoando ao garoto. Dez anos antes, o cineasta teria causado estardalhaço com “Atirando sem Parar”, em que narra o cotidiano de um policial que continua no rastro de um delinquente mesmo depois de afastado do caso. Como se vê, Chan, tido como um dos diretores mais profícuos do Oriente e o principal responsável por divulgar o cinema de Hong Kong, não precisava de um remake para chamar de seu. É verdade, contudo, que em “Connected” Chan leva sua releitura mantendo-se a salvo dos ardis hollywoodianos, privilegiando o modus operandi do cinema de potencias asiáticas como China, Coreia do Sul e Japão, nessa ordem, o que confere a seu longa a qualidade de preservar o mínimo de autorrespeito.

A direção bem cuidada de Chan, que valoriza a natureza frenética do que é contado, começa a ser sentida na sequência em que o carro de Grace é abalroado por, conforme se vai saber depois, agentes corruptos da Interpol que têm contas a acertar com a mocinha de Barbie Hsu, que é levada e mantida em cativeiro. No intervalo entre um enxovalho e outro, os sequestradores, liderados por Fok Tak-nang, se dirigem à casa da protagonista, matam sua empregada e fazem uma revista minuciosa no lugar. Valendo-se das aptidões tecnológicas já mencionadas, ela consegue se comunicar com Bob, o personagem de Louis Koo, muito longe de ser o mocinho do roteiro de Chan, Alan Yuen, Bing Xu e Chris Morgan. O pai de família que faz o que pode para não perder o vínculo com o filho, Kit-kit, o adorável Tam Chun-ho, criado com a ajuda de sua irmã Jeannie, de Flora Chan, tenta encontrá-los no aeroporto, antes que o menino faça uma viagem para a Austrália, mas antes supervisiona a cobrança da dívida de uma mulher, acuada com os dois filhos pequenos, os três apavorados com a truculência dos capangas chefiados por Bob.

Virando a chave para o suspense mais cerebral, pontuado por episódios de embates físicos esporádicos, Chan usa alguns truques óbvios (e eficazes) a fim de abreviar a distância entre Bob e Grace, ele, gângster inacabado; ela, executiva de uma empresa de design de brinquedos. Em comum entre eles o fato de serem os dois pais solteiros, se desdobrando para dar conta da criação dos filhos e do trabalho — ainda que, no caso de Bob, o personagem de Koo ganhe a vida de uma maneira francamente criminosa. Neste ponto, o diretor usa de sua própria perspectiva sobre a sociedade asiática, abordando a emancipação completa da mulher oriental e sua superioridade sobre o homem, ética, inclusive. Por evidente, se dá algum encantamento entre essas duas almas perdidas — do contrário, bastava a Bob deixar Grace falando sozinha, mas por maior que fosse sua propensão à marginalidade, isso já seria demais. Se fosse com ele, talvez pudesse resolver a questão por outros meios, mas se dá conta do sofrimento daquela mãe, acredita em tudo quanto ela lhe diz sem questionar nada, apesar de não conhecê-la — e abuse-se da licença poética —, justamente por saber que pode ser privada do que tem de mais precioso.

Quiçá esse tenha sido o motivo de Benny Chan cair de amores por “Celular — Um Grito de Socorro” e querer reprisá-lo em “Connected”: ter a oportunidade de falar de tanta coisa sem importância para falar do que de fato importa, como fica claro no comovente desfecho. É uma pena que o argumento se perca em meio a tanta espuma.


Filme: Connected
Direção: Benny Chan
Ano:
2008
Gênero:
Ação/Suspense
Nota: 7/10