A brutal história do massacre de 20 mil poloneses pelos soviéticos de Stálin

A brutal história do massacre de 20 mil poloneses pelos soviéticos de Stálin

O filme “Katyn”, do diretor polonês Andrzj Wajda, é praticamente um documento histórico. A história do assassinato em massa, ocorrido em 1940 na Polônia, e não apenas na floresta de Katyn, é conhecida há muitos anos, mas recentemente, com a abertura dos arquivos soviéticos, se teve acesso de modo mais amplo a uma das grandes tragédias do stalinismo. Os agentes da NKVD (depois KGB e hoje FSB) mataram mais de 20 mil poloneses. O historiador inglês Laurence Rees, no excepcional “Stálin, os Nazistas e o Ocidente — A Segunda Guerra Mundial Entre Quatro Paredes” (Larousse, 567 páginas, tradução de Luis Fragoso), registra que, “no início da década de 1990, promotores russos classificaram o assassinato dos poloneses como ‘crime’ — o que faz de Stálin um criminoso até mesmo de acordo com a lei russa. Este fato não teve grande divulgação”. Se existiram caçadores de nazistas, não há caçadores de stalinistas.

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Stálin, os Nazistas e o Ocidente — A Segunda Guerra Mundial Entre Quatro Paredes, de Laurence Rees (Larousse, 567 páginas)

Rees conta que, em 5 de março de 1940, Ióssif Stálin, Voroshilov, Mikoyan e Molotov “assinaram pessoalmente uma proposta feita por Beria que levou ao assassinato de mais de 20 mil cidadãos proeminentes do leste polonês, muitos dos quais eram oficiais do exército polonês. O crime somente tornou-se conhecido no resto do mundo em abril de 1943, quando os alemães, que essa altura haviam ocupado o território ao redor da cidade de Smolensk, na Rússia ocidental, descobriram uma sepultura em massa em uma floresta chamada Katyn”.

Oficiais poloneses e cidadãos proeminentes (médicos, advogados, acadêmicos e escritores) foram presos em três campos, Kozelsk, Ostashkov e Starobelsk. A NKVD, orientada por Stálin e Beria, perseguiam, com mais energia, a intelligentsia e os militares poloneses. Eles eram classificados pela polícia secreta como “contrarrevolucionários” e, portanto, deveriam ser punidos por seus “crimes”. A maioria dos poloneses presos decidiu manter-se católica e não comunista, apesar das pressões dos stalinistas.

Se podia manter os poloneses presos, em campos, por que Stálin optou por assassiná-los? Rees diz que o paranoico Stálin “odiava” e desconfiava dos poloneses. Mas decisivo mesmo foi o fato que, depois da guerra, o líder soviético não queria devolver a Polônia para seu povo. “Os membros da elite polonesa eram considerados particularmente perigosos.”

Rees revela um fato extraordinário: “… pesquisas recentes sugerem que algumas ações — tais como a prisão, em novembro de 1939, de acadêmicos poloneses em Cracóvia, pelos nazistas, e prisões semelhantes, feitas pela NKVD na mesma época, em universidades em Lwów — foram, na verdade, discutidas e coordenadas entre os funcionários de segurança nazistas e alemães [aqui, registra o Jornal Opção, o ótimo tradutor Luis Fragoso deve ter cometido um erro; o certo deve ser “nazistas e soviéticos”]. Tudo isso faz aumentar a possibilidade de que Stálin e Beria tenham observado a maneira radical com que os nazistas estavam reorganizando a Polônia e decidiram, consequentemente, agir de maneira mais radical, eles mesmos”.

 “As estatísticas dos próprios soviéticos — não reveladas antes da queda do comunismo — revelam que 21.857 pessoas foram executadas como consequência da Diretiva de 5 de março”, conta Rees. As fichas dos que foram assassinados eram examinadas por três pessoas: Merkulov, Bashkatov e Kobulov.

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Massacre de Katyn: os stalinistas soviéticos cometeram o crime e tentaram atribui-lo aos nazistas da Alemanha de Adolf Hitler

Na prisão de Kalinin, agentes da NKVD revestiram duas salas com veludo, para abafar o barulho dos tiros, e começaram a matança. O prisioneiro era morto com um tiro na cabeça. Na primeira noite, levaram 300 pessoas para serem assassinadas. “Era gente demais. A noite era muito curta e só podíamos trabalhar à noite. Começaram a trazer 250 pessoas por noite”, relatou o general Dmitry Tokarev, ex-chefe da NKVD na região de Kalinin. Para matar mais gente, tiveram de usar até motoristas e guardas. “Ironicamente, os agentes soviéticos usavam pistolas alemãs — Walthers —, pois elas eram mais confiáveis do que as pequenas armas convencionais dos soviéticos. Mas mesmo as armas de qualidade superior dos alemães começaram a ficar desgastadas com tanto uso. Tokarev revelou que os assassinatos continuaram durante cerca de um mês — sempre à noite. Uma vez que todos os poloneses tinham sido executados, na prisão de Kalinin, foi dado um banquete para celebrar a ‘façanha’”, registra Rees.

Na prisão de Kharkov, os poloneses do campo de Sarobelsk eram assassinados do mesmo modo, à noite, com um tiro na nuca. “Os corpos eram enterrados em uma sepultura em massa nos campos da redondeza.”

Os prisioneiros poloneses do campo Kozelsk não foram mortos na prisão. Eles foram levados para a floresta de Katyn, aí assassinados e enterrados. Nina Voevodskaya, de 11 anos, cujo tio era oficial da NKVD, viu poloneses em vagões de trem. “Eram jovens, e estavam vestidos em uniformes militares. Posso até me lembrar de como eram bonitos”, contou Nina a Rees (um dos trunfos do livro de Rees é que, além de ter vasculhado os arquivos soviéticos, entrevistou pessoas que viveram sob o stalinismo). “Parece que os oficiais encarregados dos assassinatos ocasionalmente não conseguiam dar conta do volume de pessoas a serem mortas, portanto alguns dos poloneses aguardavam no trilho lateral da estação de Gnezdovo por aproximadamente um dia, vigiados pela NKVD.”

Segundo Rees, “ninguém sabe ao certo o porquê de os poloneses terem sido assassinados na floresta de Katyn, e não na prisão da NKVD na cidade próxima de Smolensk, e então levados a Katyn para serem enterrados. Mas é possível que a existência de uma grande área cercada  e o fato de haver uma pequena casa na floresta, que a NKVD poderia usar como base, implicavam que, especificamente dentre os três locais para os assassinatos, nesse caso considerou-se mais fácil assassinar os poloneses perto de seu local de sepultamento”.

Mais tarde, quando os poloneses se tornaram aliados na luta contra os nazistas, Sálin e Beria perceberam o erro que haviam cometido ao eliminar os principais oficiais do país. Inquirido sobre os oficiais por aliados poloneses, Stálin disse que havia libertado todos e que alguns estariam na Ásia. Rees nota o cinismo do líder soviético.

A crítica de cinema Isabela Boscov, da revista “Veja”, diz que em Katyn foram assassinados 12.000 oficiais poloneses. As pesquisas recentes, às quais Boscov não teve acesso, indicam que na floresta de Katyn foram enterrados “pouco mais de 4 mil corpos”. “Na verdade”, de com acordo com Rees, Katyn foi “um dos três diferentes lugares usados pela NKVD para enterrar os corpos de suas vítimas”.

Mas o detalhe não tem tanta importância, porque crucial é a informação, mais do que provada, do massacre stalinista, que ninguém da esquerda parece lamentar. Tanto que “Katyn” é, aparentemente, o primeiro filme sobre o tema. Tudo indica que fizeram o possível para que Katyn fosse esquecido. Assim como o assassinato da adolescente Elza Fernandes, a Garota, em 1936. O líder comunista Luiz Carlos Prestes teria autorizado seu assassinado porque suspeitava que Elza, de 16 anos, havia dedurado comunistas para a polícia. A suspeita era infundada.