Novo suspense da Netflix é o pior filme de 2022

Novo suspense da Netflix é o pior filme de 2022

Certo, certo, eu sei: é difícil abastecer o mercado de produtos novos sempre. Dando de barato que a intenção tenha sido boa, “Naquele Fim de Semana” (2022) não vai além do óbvio — e isso, convenhamos, é um grande problema em se tratando de um filme de suspense. Devo confessar também que fui criado com muito Hitchcock, Almodóvar e ainda mais Welles, então, talvez, posso estar tentando subir o parâmetro acima do recomendável.

No que diz respeito ao filme de Kim Farrent, tirado do roteiro de Sarah Alderson — a autora da novela homônima, publicada em 2021 —, a história é precisamente o que o livro apresenta (ou quase). Leighton Meester dá vida a Beth, Orla na versão impressa, a protagonista que viaja à Croácia, Lisboa no livro, a fim de se encontrar com Kate, a melhor amiga interpretada por Christina Wolfe, para passar com ela suas curtas férias conjugais. A verdade é que já não suporta o casamento e tampouco Rob, o marido, personagem de Luke Norris (essas moças estão se casando cedo demais).

Quem não se casa cedo demais encontra outra maneira de arruinar sua vida, como Kate. Típica patricinha, completamente sem rumo, Wolfe inspira a alma, digamos, libertária de Kate e consegue imprimir na tela esse seu descompromisso com tudo e todos. Decerto a melhor coisa do filme, exatamente por aparecer nos momentos necessários e não cansar o espectador com sua onipresença meio desenxabida, como acontece com Meester, Kate leva a sério a máxima que reza que a vida é curta demais, ao passo que também percebe o que Beth, no fundo, deseja. Antes que a amiga chegasse ao apartamento que alugara, do compositor Sebastian, de Adrian Pezdirc, já havia traçado todo o roteiro para a diversão das meninas — que quase faz água, porque Jay, o ex-namorado vivido por Parth Thakerar, havia bloqueado o crédito do cartão que partilhava com ela. Mesmo assim, paga o opíparo jantar no melhor restaurante de Zagreb não se sabe como (força na licença poética) e rumam para o Blue Parlour, o melhor clube noturno da cidade, onde, ao que tudo indica, dois acompanhantes masculinos já aguardam pelas duas. Discretamente, claro, porque elas são muito decentes.

Todos os deslocamentos de Beth e Kate (principalmente de Beth) são feitos a bordo do táxi de Zain, uma performance contida e emocional de Ziad Bakri, imigrante sírio e viúvo que demonstra nítido interesse pela protagonista — vale conferir a forma como Farrent resolve o personagem, valendo-se do tipo boa-praça de seu ator, que deve deixar claro que Zain se encanta pela americana, estrangeira como ele, sem ceder espaço a nenhuma provável cafajestada, o que nem seria verossímil, dado seu semblante algo beatífico. Como se pode supor, é a partir do encontro com os michês croatas na boate chique que se vão desenrolar as, vá lá, reviravoltas de “Naquele Fim de Semana”, que embarca numa cornucópia de analepses e prolepses para explicar os eventos sinistros que tomam conta do enredo, gerados durante uma festinha privê entre as amigas e os dois rapazes.

Nada volta a ser como antes, e no intuito de esclarecer quem tem a culpa pelo que aconteceu naquela noite, Beth procura a polícia. É atendida por Pavic, o investigador encarnado por Amar Bukvic, mais um para a galeria de platitudes do filme. Dado o modo um tanto grosseiro e muito displicente com que a personagem de Meester é tratada, é duro acreditar que o policial não tenha alguma participação no mistério que rege a história — ele tem, entretanto muito menos do que tacha uma análise mais apressada, e, justiça se lhe faça, o filme é diligente em fazer com que todos, rigorosamente todos sejam suspeitos, inclusive o apatetado Sebastian, que usa seu estúdio para gravar os inquilinos até em seus momentos de saciedade fisiológica para aplacar o tédio existencial que o consome sem que ele veja, ou Kovac, a colega de Pavic, interpretada por Iva Mihalić, que sofre do mesmo mal que o compositor, amenizado pela rotina exaustiva da delegacia.

Nem se pode dizer que a diretora se vale das intrincadas questões de fundo para elaborar o conflito central do filme porque ela não o faz e assuntos como emancipação feminina, casamentos que sucumbem ao ramerrão enfadonho do dia a dia, homens que usam seus talentos viris para ganhar a vida e a psicopatia entre policiais, abordados ricamente pelos três cineastas mencionados no princípio deste artigo, ficam a ver navios. Sei que, por evidente, não era esse o propósito de “Naquele Fim de Semana”, mas não custava refinar um pouco o corte. O filme de Kim Farrent é um prato cheio (de comida requentada) para quem gosta de fast fun; para os que preferem as cores de Almodóvar, a graça de Orwell ou a crueza bem temperada de Hitchcock, meu conselho: passem longe. Eu também teria passado.


Filme: Naquele Fim de Semana
Direção: Kim Farrent
Ano: 2022
Gênero: Suspense
Nota: 5/10