25 anos sem Renato Russo, o poeta que cantou a esperança dispersa do Brasil

25 anos sem Renato Russo, o poeta que cantou a esperança dispersa do Brasil

Uma notícia surpreendeu o país inteiro há 25 anos, sobretudo os fãs de rock brasileiro. No Rio de Janeiro, havia morrido Renato Russo, líder do grupo de rock Legião Urbana. A causa foi o então temido vírus do HIV. Não funcionou o coquetel de remédios lançado naquela época para conter o avanço da Aids. Se houvesse redes sociais naquele dia 11 de outubro de 1996, a informação sobre o cantor teria quebrado o Twitter e derrubado a WhatsApp por conta do volume de postagens e mensagens.

Além dos discos que estão nas plataformas de streaming, o público tem acesso hoje a uma série de produtos relacionados ao cantor e ao Legião Urbana, algo que se vê apenas no mercado internacional. Para usar um termo comum da tecnologia, são “gadgets” culturais que operam na indústria da música. Biografias, documentários, filmes de ficção e material de arquivo pessoal vêm mantendo Renato Russo em evidência e alimentam a mitologia tão bem explorada no campo da música pop.

Renato Russo — O Filho da Revolução, de Carlos Mracelo (Planeta, 464 páginas)

No cinema, René Sampaio dirigiu os filmes de ficção baseados em letras de canções: “Faroeste Caboclo” (2013) e “Eduardo e Mônica” (2020). São músicas carregadas pela influência de Bob Dylan, que criou uma série de personagens em seus discos. A potência narrativa de Renato Russo e as imagens nostálgicas de Brasília dão um colorido aos dois filmes. Uma atmosfera de esperança em relação ao futuro que estava presente nos primeiros discos do grupo.

Também nostálgico é o documentário “Rock Brasília — Era de Ouro” (2011), de Vladimir Carvalho, veterano da construção da memória da capital. Glauber Rocha o chamava de o “Roberto Rossellini” brasileiro, numa referência ao diretor italiano. O filme de Carvalho é uma viagem pessoal pelo ambiente da Universidade de Brasília (UnB), onde foi professor. Lá surgiu o bando de meninos, muitos deles filhos de professores, que criaram os grupos Plebe Rude, Capital Inicial e Legião Urbana.  

Os anos de formação aparecem na cinebiografia “Somos tão Jovens” (2013), de Antônio Carlos da Fontoura. O filme recria ficcionalmente a gênese do mito, a doença de Renato na juventude, a obsessão pelas celebridades dos anos 1970, o círculo de amizades e, de novo, o espaço urbano de Brasília numa época em que nada parecia acontecer. O filme é materialização de uma parte das histórias contadas pelo escritor Carlos Marcelo na biografia “Renato Russo — O Filho da Revolução” (2009).   

Veia literária

Nos últimos anos, a mitologia em torno do roqueiro vem se deslocando para os livros. A editora Companhia das Letras fez edições a partir de anotações e rascunhos guardados no arquivo pessoal pela família. De lá, saiu “Só Por Hoje e Para Sempre” (2015), que é um diário de quando ele ficou internado para tratamento de álcool e drogas no começo dos anos 1990. Os registros mostram que aquela experiência serviu de base para canções do disco “O Descobrimento do Brasil” (1993).

Outro escrito de arquivo é o livro “The 42nd Street Band — romance de uma banda imaginária” (2016). Na verdade, são anotações esparsas para o que, algum dia, poderia ser uma narrativa mais estruturada. Mas é possível o gênio criador de mitos. Como em todo e qualquer acervo, existem muitos escritos soltos. Uma parte dessas notas resultou no divertido “O Livro das Listas — Referências Musicais, Culturais e Sentimentais” (2017), no qual o leitor conhece caligrafia de Renato Russo e suas paixões na cultura.

Só Por Hoje e Para Sempre (Companhia das Letras, 168 páginas)

A tendência mais recente é a expansão da obra do cantor para além do campo musical. Neste ano, Julliany Mucury lançou o belíssimo “Renato, o Russo”, baseado em sua tese de doutorado. O livro coloca o roqueiro punk e “trovador solitário” no rol dos poetas. Ele dialogava intensamente com citações de Lord Byron, Thomas Mann, Carlos Drummond de Andrade, Fernando Pessoa e Camões, por exemplo. Nas letras das canções e nas entrevistas, aparecia um leitor voraz de obras literárias.

Outros livros abordam o lado cronista da vida social em Renato Russo. Um sujeito que capturou também os movimentos políticos e sociais do Brasil na virada da década de 1980 para a de 1990. A passagem da “esperança equilibrista” do país na música de João Bosco e Aldir Blanc para a esperança dispersa cantada em “Perfeição” (1993). Este foi talvez o último sopro de vida criativa de Renato Russo, já abalado pela descoberta do HIV em seu corpo e pelo abismo do Brasil naquele período.

Uma análise muito rica é o livro “Rock and Roll é o Nosso Trabalho — a Legião Urbana, do Underground ao Mainstream” (2013), de Érica Magi. O estudo analisa todo o campo musical do rock na década de 1980 a partir do surgimento do fenômeno Renato Russo. Foi uma subcultura criada a partir do ponto de vista dos jovens de classe média e para consumo deles mesmos. Não havia mais a utopia modernista da Semana de Arte de 1922, nem o romantismo revolucionário da década de 1960.

A obra de Renato Russo ainda merece uma leitura ousada, como tem surgido pelo mundo afora. O rock já deixou de ser algo disparatado ou mero passatempo. O brilhante Daniel Lins lançou em 2017 um livraço (“A Liberdade que Canta”) para fazer filosofia com Bob Dylan. Mark Greif, no livro “Against Everything”, sugere uma reflexão profunda por meio da música do Radiohead. E Mark Fisher usou a teoria mais sofisticada de franceses e alemães para pensar a partir do pós-punk inglês (The Cure, Joy Division).