Formas de extinção para o próximo século: leia se tiver estômago

Formas de extinção para o próximo século: leia se tiver estômago

Bilhões de seres humanos acreditam na segurança de seus lares, acordam todos os dias, trabalham e se divertem normalmente, alheios a uma perspectiva sombria, enquanto consomem recursos naturais e sonham com a próxima novidade tecnológica. A propaganda se encarrega de tornar esse modo de vida glamouroso, divertido e até desejável. Suprir essa fantasia quase infantil faz com que uma fração insignificante de pessoas no mundo — líderes políticos, militares e cientistas — conviva com uma terrível e crescente preocupação: a de que a humanidade possa ser extinta nos próximos 100 anos. São probabilidades, baseadas em informações científicas, o que assusta mais que desacreditadas bolas de cristal e o terceiro olho dos místicos, como no passado. Não é um jogo de palavras herméticas como as “Centúrias”, de Nostradamus: deixamos de lado as profecias para falar de previsões. Objetiva, a Ciência lida com dados concretos que indicam, no mínimo, três cenários distópicos para a próxima geração. A condução adequada de cada um desses cenários determinará a existência da humanidade em, no máximo, um século.

Inteligência Artificial

Raymond Kurzweil acredita que até 2045 a Inteligência Artificial (IA) ultrapassará a humana, inaugurando o que chama de Era 6. O renomado cientista da computação Vernor Vinge concorda com a previsão de seu colega inventor, tendo em vista a Lei de Moore. A “singularidade” seria a conclusão lógica da velocidade de processamento de dados dos semicondutores. O que ainda divide a comunidade científica — e determinará nossa sorte — é se, além disso, será possível existir uma IA Forte. Explicando: a IA Fraca, que apenas permuta dados de maneira rigorosamente lógica, já é parte de nosso cotidiano. Não pressupõe faculdades como “consciência” e “pensamento autônomo”. Assim, a voz logarítmica com a qual você já conversa no streaming não é inteligência, portanto. O perigo está em conseguirmos criar máquinas autoconscientes, capazes de pensar e se autorreplicar: “Quando esse ponto for alcançado, será o início do fim da humanidade como espécie dominante”, adverte o matemático John Casti. Deve ser considerado, nesse caso, que um ramo particular da indústria, a robótica (um dos meios pelos quais a vida artificial pode encontrar seu caminho, ao lado da manipulação genética e da nanotecnologia), está se expandindo muito rápido. Além de robôs e ciborgues (fusão já em curso entre homem e máquina), surgirão androides, que terão, digamos, algumas “vantagens evolutivas” sobre nós, formas de vida biológicas e não sintéticas. Nesse estágio, em vez de luta de classes é grande a possibilidade de que seja deflagrada uma guerra entre espécies: máquinas contra seres humanos. Os robôs poderão subverter as três leis da robótica, de Asimov, e simplesmente concluir que somos dispensáveis. Para qualquer um que acha que tudo isso é exagero, é bom lembrar que é uma questão de perspectiva. Provavelmente todos os cientistas, em 1900, também negaram a possibilidade de o homem pisar a Lua, algum dia. Pisou, 69 anos depois. Bill Joy (Sun Microsystens), Elon Musk, Stephen Hawking e Bill Gates já externaram suas preocupações sobre a IA Forte. E são alarmantes.

Aquecimento Global

Para desânimo dos otimistas, a humanidade tem uma preocupação mais imediata e quase tão sombria quanto a IA Forte: o Aquecimento Global. Já convivemos com seus sinais como convivemos com a IA Fraca, sem nos preocupar. Só que, diferentemente do evento anterior, existe um amplo consenso na comunidade científica internacional: se a temperatura do planeta aumentar 0,3 graus celsius nos próximos anos, o processo torna-se irreversível. O limite sustentável é de 1,5 graus celsius acima dos níveis pré-industriais — mas aumentou 1,2 apenas nos últimos dez anos! O último relatório da Organização Meteorológica Mundial (OMM) alertou, em junho de 2021, que já estamos “à beira do abismo”. Tradução da metáfora: escassez crônica de água — vital para nossa existência —, extremos meteorológicos, incêndios incontroláveis, secas prolongadas e a inevitável desertificação de gigantescas áreas agricultáveis. A fome e a sede se espalharão, estimulando imensos fluxos migratórios das regiões equatoriais para os pólos, onde as temperaturas continuarão viáveis. Com isso, haverá desestabilização social em grande escala, fechamento generalizado de fronteiras, aumento da violência estatal e possível fim do sistema político democrático, incapaz de resistir a esses êxodos colossais, em sequência. O caos de nossa civilização, enfim. James Lovelock, teórico da Hipótese Gaia, sustentou à revista “Rolling Stones” que Berlim ferverá de calor como Bagdá, até meados deste século, e que a população humana poderá ser reduzida a 500 milhões de indivíduos, devido à inanição e aos conflitos pela sobrevivência. E que, em razão dessas migrações forçadas, parte da população chinesa pode invadir a Rússia em direção à Sibéria — eventualidade que poderia ocasionar a Terceira Guerra. Quem lê esse artigo com ar de deboche faz lembrar o seguinte experimento: se você joga o sapo em água fervente, ele salta. Se, porém, aumenta a temperatura aos poucos, ele morre cozido.

Terceira Guerra Mundial

A terceira Guerra Mundial é o único dos três eventos analisados cuja consequência bastante inevitável será a extinção em curtíssimo prazo da espécie humana. Considerando que hoje basta um míssil balístico russo Sarmat para destruir a França, com apenas 13 ogivas teleguiadas, tem-se uma ideia do poder de aniquilação das milhares de ogivas nucleares, disponíveis nos sete arsenais atuais (os conhecidos!). Imprevisível do ponto de vista cronológico, a possibilidade de conflagração da Terceira Guerra leva em conta um erro militar (comuns), uma invasão de hackers e uma simples ação terrorista. Considera-se também um ataque “preventivo”, decorrente de um conflito convencional localizado: Israel versus Irã, Índia versus Paquistão ou Coreia do Norte versus Coreia do Sul. Países vizinhos com problemas étnico-religiosos e geopolíticos são candidatos naturais a dar o passo fatal e desestabilizar o equilíbrio global, que cairia como peças de um dominó. Não há nenhuma certeza de que acontecerá, tampouco há qualquer garantia, muito menos ética, de que não acontecerá (“A Era dos Impérios”, de Eric Hobsbawm, tem um capítulo esclarecedor, nesse sentido). Grandes guerras sempre existiram em curtos espaços de tempo e, até aqui, foram inevitáveis. A mais mortífera de toda a História ocorreu há apenas 80 anos, curiosamente entre as sociedades mais “civilizadas” do mundo, e porque detinham as mais avançadas tecnologias. Entre 40 e 70 milhões de pessoas morreram apenas na Segunda Guerra Mundial. A extinção em massa é uma prática recorrente na História humana. O problema muito particular de uma terceira guerra é que, diferentemente de todas as outras, o processo se desencadeia e sai de controle em questão de horas (menos, talvez), na medida em que ocorram contra-ataques sucessivos. Dessa vez será cada nação à própria sorte, e — dependendo da escala — todas perecerão.

Esse é o mundo real em que vivemos. Astrônomos calculam que se não encontramos vida inteligente, no Universo, um dos motivos é que as civilizações se extinguem, a partir de certo grau de evolução tecnológica. Convencido dessa hipótese sinistra, Albert Einstein disse que não sabia como seria a terceira Guerra Mundial, mas que a quarta seria a paus e pedras. Colocados em face de um arsenal de mísseis Sarmat, podemos julgar que foi um otimista: se acontecer a Terceira Guerra haverá paus e pedras, o que não haverá é quem usá-los. Qualquer um dos eventos apocalípticos listados pode não se confirmar, e é bastante improvável que, se acontecerem, sejam simultâneos. Mas também é altíssima a possibilidade de que pelo menos um deles alcance o ponto de não retorno em décadas, ou até antes — o bastante para vivenciarmos nossos piores (e talvez derradeiros) dias.

Aquela segurança de nossos lares é só um tufo de algodão, exposto ao furacão que se aproxima. Duvide, mas ciente de uma coisa: a credulidade é o fiel da balança.