Roberto Carlos subiu no telhado dois anos antes dos Beatles

Roberto Carlos subiu no telhado dois anos antes dos Beatles

Se você tem menos de 40 anos, é bastante provável que nunca tenha ouvido falar em shows no telhado, mas, acredite, eles aconteciam, eram muito populares e não era qualquer um que se aventurava nessa escalada musical. Músicos renomados têm subido no telhado — sem trocadilho — desde o show de despedida dos Beatles num prédio de Londres em 30 de janeiro de 1969. A partir desse momento, uma efeméride na história da música, toda vez que alguém inventa de se aboletar num telhado pra tirar um som, vai ter de escutar comparações e acusações de pouca originalidade, afinal, os Fab Four seriam os pioneiros no gênero, certo? Errado.

Seguindo à risca a máxima do Velho Guerreiro, John, Paul, Ringo e George não foram lá muito autênticos ao se apresentarem numa cobertura. Não criaram, não acharam, nem perderam, só copiaram, conforme mandava Chacrinha. Bem antes de McCartney ter cantado “You’ve Been Playing on the Roofs Again” em um improvisado get back em Londres, a banda Jefferson Airplane estreou essa forma inusitada de concerto um ano antes em Nova York.

Apesar do caráter festivo, os shows no telhado foram motivados por eventos trágicos, como os assassinatos de Robert Kennedy e Martin Luther King, e a precipitada e desastrosa Guerra do Vietnã. O diretor de cinema francês Jean-Luc Godard viu na “novidade” um trampolim para sua empreitada de registrar apresentações musicais de protesto e iniciou as gravações de um documentário sobre o tema. A iniciativa quase malogrou: Godard abandonou o filme para simplesmente corporificar o novo cinema de esquerda da França, mas o documentarista D.A. Pennebaker foi incumbido da nobre — e nada fácil — tarefa de levar adiante a empreitada. Pennebaker conseguiu concluir o trabalho, batizado de “1 PM” (One Parallel Movie, ou One Pennebaker Movie, como Godard o chamou para provocar).

Grace Slick foi outra que se aventurou na modalidade. “Olá, Nova York! Acordem, seus desgraçados! Música grátis! Boa música! Amor livre!”, gritou ela, bem ao espírito hippie da época, em cima de um prédio. Eles levaram um pocket show (mas pocket mesmo) de memoráveis sete minutos, tempo suficiente para que a polícia fosse chamada e acabasse com a farra.

O que pouca gente sabe é que a primazia dos shows no telhado pode caber a um artista brasileiro: ninguém menos que Roberto Carlos, que ainda não era Rei, mas já podia se orgulhar do apelido grandiloquente de o Elvis do Brasil. Roberto interpretou “Quando”, em 1967, mostrando toda a sua genialidade, sua alma empreendedora, seu senso de oportunidade, sua perspicácia, sua capacidade de antever o futuro.

Mais recentemente, o U2 também encarnou a alma libertária — e muito marqueteira — daqueles tempos e foi para cima de um edifício de Los Angeles a fim de tocar “Where the Streets Have No Name”, num certeiro golpe de publicidade, dando início à sua nova turnê. Bono Vox reconheceu que havia “roubado” os Beatles, e que aquela não fora a primeira vez. O que Bono decerto não sabia era que estava copiando não o conjunto de Liverpool, mas o Frank Sinatra latino.

Roberto Carlos aparece num cenário meio frio, talvez só dublando e aparentemente sem público, no terraço de um arranha-céu de São Paulo, mas assim também se quebram os paradigmas caducos que o comodismo vai permitindo se cristalizarem na arte, feito mariscos num rochedo. Os shows no telhado devem muito ao Rei, responsável por ter estabelecido um padrão e um estilo próprios para o gênero. Os Beatles só obedeceram Chacrinha.