Desafios intimistas, caracterizados por propostas feitas para superar limites pessoais, tais como esportes radicais, dentre eles, rafting, escalada, rapel, voo livre, paraquedismo, skate, só para citar diferentes modalidades, são motivos para novos encontros íntimos, de descoberta de capacidades por nós desconhecidas. É bom para quem gosta! Nem todo mundo deseja se aventurar em desafios extremos e perigosos. Existem outros ambientes — mais seguros e essencialmente distintos — que, também, promovem sensações tão estimulantes e intensas. Por exemplo: leitura de um texto profundo, curto, imediato, feito para ser lido em um breve período. Livros pequenos e relevantes são literatura para verdadeiros leitores, para pessoas que gostam de viver intensamente, ou, por outro lado, para aqueles sentem uma ansiedade constante, devido à brevidade da vida, que se encosta, periodicamente, como um sopro frio em sua nuca descoberta. Melhor ler mais e mais rápido — pensam. “História Abreviada da Literatura Portátil”, do espanhol Enrique Vila-Matas, condensa, num livro de bolso (o conteúdo, inevitavelmente, explica o formato), de poucas páginas — 137, para ser exato —, um conjunto de situações relacionadas a grandes nomes da literatura mundial. As desventuras de suas personagens, inspiradas pela necessidade de fazerem parte de uma confraria essencial, cujo nome é emprestado da obra canônica “A Vida e as Opiniões do Cavalheiro Tristram Shandy”, de Laurence Sterne, definem o modo de vida dos escritores breves. O estilo é borgiano, pois acondiciona uma infinidade de informações curiosas e estrutura tudo com erudição semelhante à do escritor portenho. Por falar em Jorge Luis Borges, em seu prólogo do livro “História Universal da Infâmia”, ele reflete, seguramente, sobre leitores. Borges diz: “Às vezes creio que os bons leitores são cisnes até mais tenebrosos e singulares que os bons autores. Ler, antes de tudo, é uma atividade posterior à de escrever: mais resignada, mais civil, mais intelectual”. Nada mais correto, honesto e justo. Vindo de Borges, só pode ser verdade. Era um leitor que leu tudo que existia e, ironicamente, ficou cego na velhice. Na prosa curta, foi absoluto. O seu texto, seguro e complexo, sintetiza grandes histórias em poucas e rebuscadas palavras. Ele é a prova de que os discípulos da literatura breve podem conseguir sensações tão grandes quanto aquelas relacionadas à emoção de cair, em queda livre, de uma grande altura, em busca da experiência do desconhecido.
A literatura curta sul-americana é formidável. Uma síntese discreta dos autores dos países da América do Sul pode ser contemplada na lista que segue. Uma porção literária, academicamente elogiada, que proporciona um divertimento lúdico magnífico.
Talvez um dia não seja suficiente para ler, bem lido, com a atenção que se deve dispensar, esse pequeno livro do talentoso Alan Pauls. Gaste dois. Mas faça isso com profundo interesse. Trata-se da história de um garoto, cheio de lembranças e citações do passado do narrador adulto, que não consegue chorar, se não estiver na presença do pai, e que venera o Super-Homem. Mas há defeitos em tudo. O seu Super-Homem ideal, assim como o pai, visto no presente do adulto que reavalia a ótica da criança, é ineficiente e, lamentavelmente, limitado. O livro trata da importância das memórias da infância e da adolescência — essa nuvem distorcida da vivência do passado — na estrutura do presente.
Um livro para iniciados na literatura borgiana, sobretudo por causa do conto “Borges e eu”. Aqui, nos encontramos com um Borges experiente, que se autoavalia como uma celebridade e avalia sua obra, suas escolhas e suas obsessões. Quem leu o escritor portenho, conhece bem sua especial predileção por elementos como espelhos, sonhos, areia e tigres, que nesse livro aparecem à exaustão. No conto citado, o autor divide-se em duas personagens, uma que escreve e outra, pé no chão, que representa o escritor no mundo real. Separando-se em dois, Borges observa: “Há alguns anos tentei livrar-me dele e passei das mitologias do arrabalde aos jogos com o tempo e com o infinito, mas esses jogos agora são de Borges e terei de imaginar outras coisas”.
Selva Almada é autora do importante e, relativamente, recente, “Garotas Mortas”, um livro policial e jornalístico sobre o feminicídio na Argentina, abordado por meio da investigação dos assassinatos de três jovens. Almada é habilidosa, sabe envolver e contar, como ninguém, uma história. “O Vento que Arrasa” é uma história que acontece em menos de 24 horas. Poderia, inclusive, se passar em um mundo pós-apocalíptico, visto o desolamento do local onde os eventos narrados acontecem: uma oficina mecânica no meio do nada. Para seguir pregando a palavra e convertendo pessoas em nome de Deus, um pastor, na companhia de sua filha, precisa do auxílio de um mecânico descrente.
Um livro que os cientistas deveriam ler. E os autores de ficção científica, em geral. Uma história curta, uma novela, contada com exímia competência. Com uma escrita elegante, característica marcante de Bioy Casares, “A Invenção de Morel” trata de uma invenção tão fantástica quanto inverossímil, no melhor estilo fantástico da literatura mundial. Um livro tão magnífico e relevante que, sobre ele, Borges escreveu: “Discuti com o autor os pormenores da trama e reli; não me parece imprecisão ou uma hipérbole qualificá-la de perfeita”.
Ainda usando o azul que deu cor ao excelente “As Pequenas Mortes” — o azul letal do césio e de suas inevitáveis adversidades provocadas e, ainda, a cor do firmamento, que reside numa faixa de equilíbrio para a visão no espectro eletromagnético — Wesley Peres, cheio de sensibilidade, edifica um texto incisivo e original, observando a estrutura de todas as matérias (corpos e não-corpos), desde o seu início didático e acolhedor: “De modo inesperado, ou nem tanto, as coisas do mundo começam com um não. Uma molécula diz não a outra molécula e a morte principia a destecer a colcha”. Um livro essencial.
Dalton Trevisan, o legítimo vampiro de Curitiba, uma vez que vive enclausurado em seu esconderijo, é o oposto de Nelsinho, a figura curiosa e interessante do conto que dá título ao livro. Cheio de carisma e profundamente apaixonado pelas mulheres de sua cidade, Nelsinho é um filósofo de seus mais íntimos sentimentos. Ele pensa: “Por que Deus fez da mulher o suspiro do moço e o sumidouro do velho?” Conhecer esse aspirante a vampiro, o neófito curitibano na arte do amor, é uma experiência necessária. Nelsinho, também, retorna no belíssimo conto “A Noite da Paixão”. Um momento maior de inspiração do autor e uma concessão autoral, inestimável, para o leitor.
Moya é um cínico. Ainda bem! Em “Asco”, ele parece ter encarnado o próprio “Imitador de Vozes”, de Thomas Bernhard. Moya é um crítico vigoroso de seu país e seus costumes. Com um texto ágil e violento, o autor critica veemente as hipocrisias de seus conterrâneos e apresenta, em um texto contundente, o seu sentimento mais íntimo e imediato: o asco.
Leia essa novela tendo em mente que a frase de abertura, algo genial, é uma das coisas mais inteligentes e inspiradas já escritas na literatura brasileira. “Deus? Uma superfície de gelo ancorada no riso”. Só para constar, Hilda Hilst dizia que toda sua obra era uma busca constante pelo sagrado. Aí está, adivinhou a resposta, com muita ironia dramática, na composição dessa obra surpreendente.
Segundo noticiado, o argentino Pedro Mairal tornou-se um fenômeno de público e crítica com esse romance. Na Espanha, o livro fez a façanha de ter cinco edições, em um curtíssimo intervalo de tempo, tamanho o seu sucesso. Um livro que ganhou adeptos por causa da “tradição verbal”. A uruguaia do título, Magali Guerra, é uma mulher capaz de colocar o protagonista em íntima discordância, com seu estilo de vida e sua relação com as pessoas de seu convívio. Ele, veja você, é um escritor, e conhece Magali, imagine, em um evento literário!
O Coronel desse pequeno romance lutou ao lado de Aureliano Buendía, personagem emblemático de “Cem Anos de Solidão”, um dos melhores livros de García Márquez e uma das melhores obras da literatura mundial. Imagine essa situação, um Coronel, figura cuja principal característica é a ação, esperando por longos anos que o governo lhe pague uma pensão que nunca vem. Essa é a personagem desse romance sobre a inércia, a letargia, a miséria e a relação entre o povo e seus governantes. O Coronel, que acredita em seus líderes, aguarda.