Literatura regionalista e erudição: um mito inevitável

Literatura regionalista e erudição: um mito inevitável

Eu poderia afirmar, sem medo de errar, algo que deveria tornar-se uma tradição nos meios literários, pelo menos entre os que almejam materializar suas ideias na forma da escrita: não precisamos de muitos escritores, mas, sim, de leitores. Quanto mais leitores, melhor. O incauto que se inicia na redação de ficção acha maravilhoso tudo que escreve, um primor. Não percebe o óbvio. Uma vez que lê muito pouco, acha que sua escrita é magnífica. Seu único parâmetro de comparação é ele mesmo. Tudo que escreve lhe parece inédito, colossal. É uma obra pronta para o Nobel. Ledo engano. Para ser um bom escritor é preciso, antes de tudo, ser um grande leitor. Um leitor assíduo, de muitos títulos, com boa diversidade e originalidade. É preciso conhecer os clássicos e os modernos. Tem que visitar frequentemente os cânones mundiais. Muito provavelmente, tudo o que o iniciante escreve, sem pesquisa prévia e autocrítica ferrenha, já foi explorado por outro escritor, em um outro momento da história. Ser original não basta um talento natural, que as pessoas em geral julgam ter, mas não identificam a fonte, é, na verdade, resultado de um esforço hercúleo de intensa pesquisa e, como diria Thomas Edison, volumosa transpiração.

O leitor que se convenceu do importante papel da leitura em sua formação também não pode cair nas armadilhas fáceis do autoengano. Ao ler um conjunto medíocre de boas e/ou consolidadas obras literárias, não deve achar de si mesmo o mestre da crítica, um grande entendedor. Após alguns finais de semana de verdadeira leitura obrigatória e dedicação aos clássicos indiscutíveis, rotula-se crítico literário, como se isso fosse tarefa simples e, a rigor, prazerosa, coloca seus óculos redondos de acetato grosso, um bloco de linhas cinzas e de tamanho prático, e destila todo seu muito simplório veneno para destruir obras de uma altura literária que jamais poderia alcançar com sua pouca bagagem adquirida nas horas vagas.

O autor iniciante tem um cacoete fantástico. O novato acredita que tem o poder de escrever a obra definitiva sobre o camponês. Por exemplo, o herói goiano é um clichê demasiado divertido. O escritor quer ter seu nome vinculado a um Supriano, de “A Enxada”, de Bernardo Élis, ou ainda, em maior escala, um Fabiano, de “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos, de que fará parte do imaginário dos seus conterrâneos e que nunca mais será esquecido, por todos os séculos vindouros abastados de leitores de sagas sertanejas épicas para derramarem, sem consolo, o seu indescritível volume de lágrimas pelo protagonista inocente e vítima das intempéries da natureza e de sua condição social diminuta. Outro erro. Ninguém precisa de mais histórias sobre a dor dos habitantes sofridos do cerrado.

Sobre aprender a escrever com uma técnica precisa, apuro na forma, contando uma boa história verossímil ou fantástica, sem ocupar um lugar comum e destacando-se por qualidades significativas e originalidade, um fato conhecido por especialistas é que isso não se é possível ensinar. Parece que o grande escritor, como já foi dito, é um leitor melhor, disciplinado, crítico, incisivo e corajoso. Um investigador da literatura do outro.  Então, o escritor medíocre poderia ser eliminado — e, assim, fazer o grande favor ao leitor dedicado, de não tornar a apresentar suas infantilidades ficcionais — se ao ler com rigor uma boa quantidade de livros de qualidade, reconhecer o seu desastre, antes de torná-lo público. O bom escritor sabe que escreveu algo relevante. Pode comparar, tem uma vasta experiência e bagagem literária para se auto criticar e perceber se caminhou sobre os passos já desenhados por outro. Não quer repetir o que já foi feito. Quer descobrir e imprimir sua voz narrativa, seu estilo inédito.

Não é agradável para o leitor inteligente dedicar seu precioso tempo lendo um amontoado de palavras sem sentido, confissões açucaradas, desejos superficiais ou extremamente apelativos. Ele não quer ser induzido ao lodaçal grudento de histórias melosas de mulheres e homens sofredores por perderem seus amores cruéis, que os fizeram chorar por serem bons demais. Ao leitor competente devem ser destinadas as histórias de grande relevância, os cenários inusitados e os finais arrasadores. Literatura de verdade é, antes de tudo, subversiva e faz pensar. Incomoda e tira da posição de conforto. Livros importantes são antídotos para a inércia destruidora.

Esse ensaio termina com uma frase que sintetiza a busca por uma literatura bem elaborada. Os que não se enquadram podem compor a honrosa turba letrada conhecida como leitores. “Se você deseja ser um escritor de verdade, leia muito e com qualidade. Assim, ao ler suas próprias palavras arranjadas no papel para produzir uma obra, você saberá se ela um dia se tornará uma dádiva para o leitor ou um tormento sufocante desnecessário.”