Terça-feira, 6 de janeiro de 2021, já passou. Mas o homem errado, no lugar errado, continua por aí

Terça-feira, 6 de janeiro de 2021, já passou. Mas o homem errado, no lugar errado, continua por aí

Um único homem, errado e no lugar errado, pode estimular milhões ao erro. Basta ter poder, estar o tempo todo em evidência e falar as bobagens que julgar conveniente para manipular a opinião pública. Infelizmente, a democracia é vulnerável a esse tipo de risco. O caso mais extremo atende pelo nome de Adolf Hitler. Exatamente, era um ditador. O que muitos não sabem é que Hitler só conseguiu tornar-se líder da Alemanha quando se submeteu à democracia. Foi escolhido chanceler em 1932 e só saiu 13 anos depois, após arrastar o mundo para uma guerra generalizada que matou em torno de 70 milhões de pessoas (segundo os cálculos mais conservadores).

O que ninguém nunca imaginou é ver um presidente dos Estados Unidos, obviamente eleito, ter os arroubos autoritários de um fascista. Pois Donald Trump — o homem errado no lugar errado — insuflou apoiadores e tornou refém a principal democracia do mundo. Não há precedente, em mais de 200 anos de sucessão à presidência dos Estados Unidos. É um assunto inesgotável, porque entrou para a história.

Obama acertou ao qualificar a tentativa de golpe trumpista de “desonra”. Porque, a partir de agora, os EUA deixaram de ser um exemplo para o mundo. A data entra para a história como o dia em que um presidente local transformou os EUA numa República das Bananas — como a Venezuela de Nicolás Maduro. Enquanto os extremistas de direita temem que a esquerda instale um caos institucional mundo afora, Trump foi lá e disse: “Não precisamos de Maduro e similares porque nós, extremistas de direita, somos iguaizinhos a eles”.

Há muita frustração no mundo atual, em parte devido à recessão econômica que perdura desde 2008. Há também, no caso dos EUA, um forte componente racial, centrado no estado da Geórgia. E frustração e ressentimento é para a política o que a nitroglicerina é para a química: um produto altamente explosivo. Ou, traduzindo, uma arma: a arma preferida dos ditadores. Ao juntar um novo ingrediente à frustração e ao ressentimento — a mentira — Trump foi o homem errado no lugar errado. O saldo: quatro mortos, além de sujar a história de seu país.

Hitler jogou a culpa nos judeus. Trump culpa a mídia. Outros culpam os comunistas. Enfim, a culpa é sempre do “outro”, que às vezes só aparece no retrovisor. E assim não se olha para a frente, terceirizam-se responsabilidades, lavam-se as mãos. Distraída por essa manobra diversionista — tão bem manipulada por Joseph Goebbels —, a opinião pública não enxerga a realidade de crise, que permanece, sem solução. Ao invés de enxergar o inimigo real, cria-se um inimigo ilusório e externo: a China.

E enquanto mira judeus, a mídia, os comunistas ou, também, o imperialismo, parte da opinião pública não enxerga o óbvio: que quem está no poder é que deve assumir e reconstruir uma nação em frangalhos. Infelizmente, milhões pensam o contrário: que o papel de um presidente eleito é acabar de destruir. E assim tem sido, inclusive no Brasil.

Terça-feira, 6 de janeiro de 2021, já passou. Mas o homem errado, no lugar errado, continua por aí.