O Grande Debate, da CNN: ideia boa, mas que na prática apenas fortalece o “nós contra eles”

O Grande Debate, da CNN: ideia boa, mas que na prática apenas fortalece o “nós contra eles”

Um programa que promove o confronto de ideias opostas, com debatedores supostamente qualificados e a mediação de jornalistas, teria tudo para contribuir positivamente para a formação de opiniões do brasileiro médio. Contudo, desde a sua estreia, o Grande Debate demonstrou ter um formato no mínimo controverso, cujos embates, em sua maioria, não servem ao enriquecimento cultural popular. Isso porque a plateia de cada um dos lados apenas se agarra aos argumentos que lhes são convenientes, para afagar seu ego e validar suas ideologias. E isso, sem sombra de dúvida, explica muito sobre a situação atual do país.

A proposta do programa é realmente encantadora: fornecer elementos argumentativos com raciocínios divergentes e fundamentados, para amadurecer nas pessoas o entendimento sobre diversos problemas que afligem a sociedade. Seus vícios, entretanto, são evidentes, e começam não apenas pela escolha do formato, mas também dos interlocutores. A produção do programa optou por exibir apenas advogados debatendo as questões, às vezes extremamente técnicas, que conforme os temas demandariam conhecimento especializado de profissionais de áreas específicas. É como se o dom da argumentação combativa fosse propriedade exclusiva desse nicho profissional, numa espécie de domínio intelectual, quando na verdade é imperativo reconhecer uma verdade básica: ninguém é capaz de opinar com propriedade sobre tudo.

Outro deslize evidente é tentar entender os problemas cotidianos tendo como possíveis soluções apenas opções binárias: ou é x ou é y. Esse viés sem matizes nem nuances acaba contribuindo para a polarização extremada dos dias atuais, com verdadeiras torcidas organizadas extraindo de qualquer discussão apenas os frutos que lhes apetecem, enaltecendo-os, enquanto desqualificam a construção divergente sem nenhuma intenção de analisar o seu mérito. No final das contas, as respostas soltas viram memes de internet, em forma de deboche, com os famosos vídeos curtos com chamadas como “fulano jantou beltrano” ou “sicrano destrói as falácias de fulano”. A chacota transforma o que era para ser construtivo em uma guerra de mentes pueris. Adultos são infantilizados e o “argumento” ad hominem prevalece como se fosse virtude.  

O pior lado, porém, é a chancela do grotesco. Os confrontos são transformados em uma espécie de espetáculo de validação da desinformação, uma vez que esta acaba alçada ao mesmo patamar da sensatez. É que a abertura de espaço para a defesa da ignorância gera, em inocentes e mal-intencionados, o conforto necessário para acreditarem que o absurdo está normalizado. Uma vez criado o sentimento de representação e acolhimento no debate público, o que era chocante acaba banalizado e a ascensão de extremistas autoritários, fomentada pela atração exercida pelo “rude”, é inevitável. A democracia, é óbvio, pressupõe a confluência de pensamentos divergentes para que haja uma construção propositiva. Contudo, sem dúvida, não deve haver espaço para negacionismos e anticientificismo propagarem desinformação com palavras bonitas e argumentações aparentemente bem delineadas.

Um debate deve ter o mínimo de racionalidade para ser válido. No programa em questão, apesar das claras virtudes e das boas intenções, acaba-se por legitimar teorias obscurantistas em um ringue de ofensas, tudo em nome de um antagonismo supostamente saudável. Uma solução para este problema seria fazer um rodízio de especialistas, variando a cada semana e a cada tema, expondo seus pontos de vista com o real intuito de construir — e não de ridicularizar ou menosprezar o adversário, como costuma ocorrer hoje. A continuar como está, a atração servirá de incentivo ideológico perfeito para que extremistas de todo gênero saiam de suas cavernas. Quem acaba perdendo é a sociedade como um todo. E os vencedores são claramente os tiranos, que se aproveitam da fragilidade dos vulneráveis e do teatro em forma de programa informativo para assumir as rédeas do caos eterno de “nós contra eles”.