A corrupção moral é a mãe de todas as corrupções

A corrupção moral é a mãe de todas as corrupções

A corrupção moral é a mãe de todas as corrupções. Mas existe por aí um conceito errado, reducionista, de que ela envolve apenas dinheiro: se não tem dinheiro envolvido, não é corrupção? “Não” na simplória percepção das pessoas comuns, mal informadas. Porque normalmente a corrupção vai além do dinheiro.

Segundo o Dicionário Houaiss, corrupção significa também “deterioração (…), depravação de hábitos, costumes etc., devassidão”. Deterioração é o estágio final de um corpo físico: é a própria morte. E uma coisa que se deteriora é uma coisa podre: uma carniça cheia de vermes e moscas refestelando-se. Sob esse ponto de vista, o Brasil continua apodrecendo, exalando miasmas de decomposição. Não voltamos à vida, apesar das esperanças convertidas para alguns em espanto, perplexidade. Apenas fomos conduzidos para o estágio seguinte da corrupção, quando surgem ingredientes novos (ou antes primários) do fenômeno: aquela depravação de hábitos e costumes.

A depravação não é a causa: é o sintoma. Determinados comportamentos só são possíveis quando o pudor acabou em qualquer sentido: inclusive o pudor de mentir, fraudar, roubar. É o ponto de chegada e não de partida. Não há mais parâmetros, regras, limites. O homem nesse estágio regride à barbárie — quando tudo é possível. Portanto, quando a situação é muito mais perigosa e nossa insegurança individual e coletiva aumenta. Esgotaram-se as energias vitais, como um corpo putrefato que incha sob o efeito de gases e explode. Isso é a corrupção ao pé-da-letra.   

É admirável como em geral não toleramos a corrupção “pública” que envolve dinheiro (desvios, subornos etc.), tudo porque achamos que apenas o dinheiro trás consequências tangíveis à nossa vida. Admirável como, por outro lado, aceitamos o que leva a práticas tão condenadas: a corrupção moral. A causa primária. Isso explica em parte nossa própria perversidade. O Brasil chegou a um estágio de tamanha devassidão que ultrapassamos o ponto de partida e nos perdemos nesse processo que a física chama de entropia. O surto místico que se intensifica e rouba milhares de consciências pelo país afora (daqueles cujo desespero precisa urgentemente de um “guru”, um “salvador da pátria” — “um pai” que os proteja na sua fragilidade) é um ingrediente da corrupção. O mais deletério, porque implica os filhos no processo de ruína.

Com efeito, houve um tempo, no Brasil, em que os corruptos eram centenas. A corrupção estava em Brasília e, com razão, assistíamos indignados. Ninguém participava do roubo. Chegamos agora ao pior estágio, quando a corrupção se disseminou e milhões participam. Não querem mais o seu fim. Porque todos eles são cúmplices da imoralidade e se fartam como se fosse mel.

Agora são milhões de corruptos.