A era do gado sem cabeça

A era do gado sem cabeça

Chegamos a um momento em que o pensamento crítico parece estar em extinção. Além da proliferação de teorias conspiratórias absurdas, há muito refutadas pela ciência, podemos acompanhar um fenômeno nada agradável de emburrecimento coletivo, evidenciado pela repetição descerebrada de disparates, supostamente justificada por uma cega paixão por parte de quem os propaga. E isso diz muito sobre a falta de investimento do poder público na educação do país.

Analisando o comportamento coletivo brasileiro em situações recentes, é evidente que boa parte das pessoas parece ter abandonado a criatividade como cultura do pensar. Talvez pela preguiça de aprofundar uma pesquisa ou pela ausência de uma educação de base incentivadora do hábito do questionamento, certo é que é raro haver um espírito crítico sério nos debates e diálogos, principalmente nos ocorridos na internet. Esse vácuo de conexão entre as pessoas é campo fértil para a desinformação, e explica, inclusive, o porquê da consolidação de notícias falsas, facilmente refutáveis por simples idas ao Google. Mas isso seria questão para um outro debate.

Os atos de deduzir, avaliar, refutar e contra-argumentar perderam espaço para a simples ratificação acrítica. O endosso a ideias alheias pela crença nos valores de quem as emite, sem que haja nenhum movimento intelectivo de análise, parece prosperar em um mundo onde o debate se torna cada dia mais unilateral. Os semelhantes convergem em tudo e os diferentes são completamente ignorados. Não há construção; pessoas se apegam às ideias mais sedutoras ao seu ego e as defendem sem nenhum escrúpulo, isso quando não se utilizam do argumento alheio como verdade universal em assuntos sobre os quais não têm o mínimo conhecimento. As sinapses dão lugar ao movimento robótico do endosso.

Não à toa, teorias como a “terraplanista” e a do “nazismo de esquerda” encontram porto seguro nos dias atuais. Sem qualquer embasamento científico digno do nome, tais movimentos absurdos — para usar uma adjetivação bastante eufêmica e seletiva — têm na ignorância o comburente necessário para uma existência prolongada. O foco é idiotizar-se por hobby. A ciência é colocada sempre em dúvida, como se fosse apenas um meio utilizado para doutrinar multidões mundo afora. Em lugar dela, alucinações tópicas recheadas de coincidências são divulgadas como verdades absolutas, e um sem-número de pessoas a elas se apegam. O deslocamento da opinião pública na aceitação de extremismos cada vez mais toscos é a teoria de Overton em seu modo mais puro e natural.

Estamos, definitivamente, numa era de desapego à razão. Evidências e certezas científicas são deixadas de lado em prol de movimentos iconoclastas radicais, que valorizam mais o potencial de viralização na internet que a segurança e a certeza de seus conteúdos. A despeito de todo avanço tecnológico, a maioria da população tende a acreditar nas barbaridades e desinformações cultivadas por desonestos célebres.

É a era em que qualquer idiota pode ser o pastor encantado de um gado feliz, que passará pano para todo e qualquer discurso por ele propagado, por mais abjeto que seja. Basta, para isso, ser altissonante, confiante e convincente. Quanto mais absurdo, mais bem aceito. É um headshot certeiro e sem volta no pensamento crítico contemporâneo.