A primeira impressão que “Viagem ao Centro da Terra” provoca é a de um esforço deliberado para converter o romance de Jules Verne em um produto de ritmo ininterrupto, construído para espectadores que já não toleram pausas ou contemplação. Trevor Anderson, interpretado por Brendan Fraser, surge como um acadêmico deslocado da própria instituição à qual pertence, pressionado por burocracias que tratam o legado intelectual de seu irmão Max como um inconveniente a ser arquivado. Esse detalhe inicial estabelece uma tensão curiosa: o saber científico, reduzido a entulho, contrasta com o impulso aventureiro que conduz Trevor a retomar pistas deixadas por Max, desaparecido uma década antes. A chegada de Sean, vivido por Josh Hutcherson, introduz um contraponto juvenil pragmático, cujo ceticismo inicial funciona menos como resistência intelectual e mais como mecanismo de autoproteção diante da ausência do pai.
A narrativa ganha outra camada quando ambos seguem para a Islândia, confiando mais no rastro emocional de Max do que na lógica empírica. É nesse ponto que Hannah, interpretada por Anita Briem, entra como guia e herdeira involuntária de um grupo que acreditava que Verne descrevia fatos disfarçados de ficção. Em vez de servir como mera facilitadora da jornada, Hannah ocupa uma zona ambígua: pragmática na superfície, mas movida pela necessidade silenciosa de validar o trabalho do pai. A dinâmica entre os três se estrutura a partir de diferenças geracionais e metodológicas, não de conflitos artificiais. Trevor insiste em combinar conhecimento acadêmico com intuição; Sean testa limites como quem tenta provar que não herdou apenas traumas; Hannah utiliza experiência concreta do território para equilibrar a impulsividade dos dois.
A descida ao mundo subterrâneo marca a ruptura definitiva com qualquer pretensão de verossimilhança científica. O filme abandona de vez a lógica física e se apoia em espetáculos sucessivos que variam entre engenhosos e excessivos. A coerência interna é frequentemente sacrificada em favor de efeitos digitais, mas esse abandono de rigor também expõe, de maneira involuntária, o espírito de adaptação contemporânea: a aventura precisa ser acelerada, mesmo que isso torne a narrativa mais um parque temático do que uma exploração. As criaturas, ambientes luminescentes e fenômenos improváveis funcionam como obstáculos episódicos que obrigam o trio a redefinir suas alianças diante de cada novo risco.
O ponto mais interessante desse percurso não está nas ameaças em si, mas na forma como revelam as lacunas emocionais dos personagens. Trevor tenta compensar a ausência de Max assumindo um protagonismo protetor; Sean alterna rebeldia e admiração, como alguém que descobre que a coragem não elimina o medo; Hannah mantém uma postura firme que disfarça a própria insegurança sobre o legado científico que carrega. Em alguns momentos, o filme oferece brechas para reflexões rápidas sobre luto, responsabilidade e a dificuldade de transformar memória em direção, mesmo que essas sugestõess sejam abafadas pelo ritmo.
Quando o enredo se aproxima da resolução, a aventura já se consolidou como uma sucessão de testes que funcionam mais como catalisadores das relações do que como desafios concretos. Fraser sustenta o papel com a familiar mistura de energia física e leveza, enquanto Hutcherson demonstra habilidade para alternar vulnerabilidade e bravura sem exageros. Briem, apesar de certa rigidez inicial, encontra espaço para transformar Hannah em alguém mais complexo do que a simples guardiã de passagens remotas.
O resultado final não pretende reformular o imaginário verniano nem aprofundar questões científicas. O filme se satisfaz em oferecer um percurso contínuo, consciente de suas limitações e disposto a compensá-las com vigor visual e humor esporádico. A jornada não se impõe como revelação, mas como lembrança de que algumas histórias sobrevivem não pelo rigor, e sim pela capacidade de olhar para o desconhecido com a teimosia de quem recusa a imobilidade.
★★★★★★★★★★


