A maioria das comédias são bobas, dependem de trocadilhos esdrúxulos e é preciso se desapegar um tanto da lógica para conseguir rir. Muita gente gosta disso e está tudo certo. Todo mundo tem direito de gostar do que quer. Mas as comédias inteligentes divertem os espectadores sem subestimá-los. Elas transformam situações cotidianas e absurdas em espelhos da condição humana, expondo nossos hábitos, vícios e contradições com acidez. A Revista Bula encontrou na Netflix algumas obras em que o riso é acompanhado de crítica social, filosofia e uma boa dose de humanidade.
Essas histórias propõem um olhar sobre nossos tempos. O humor surge do contraste entre o que acreditamos dominar e o que nos domina silenciosamente. Rimos, mas com a desconfortável sensação de que algo ali se parece demais conosco. Assistir essas obras é equilibrar entre a tragédia e o riso. Elas revelam o absurdo por trás da normalidade, transformam angústia em ironia e fazem da risada um gesto de resistência. Cada filme aqui é uma experiência que diverte e desafia: um convite para rir, pensar e talvez entender sobre o que significa ser humano em um mundo cada vez mais insano.

Dois astrônomos descobrem que um cometa gigantesco está prestes a colidir com a Terra, mas, ao tentar alertar o mundo, se deparam com a indiferença coletiva, o sensacionalismo da mídia e a política do espetáculo. O que começa como uma comédia absurda se transforma em um retrato brutal da era da desinformação. Entre entrevistas cômicas e discursos caóticos, o filme escancara a dificuldade de levar a verdade a sério em tempos de memes e likes. É uma sátira feroz sobre a nossa capacidade de rir enquanto o mundo desaba, e sobre o quanto o humor pode ser, paradoxalmente, o último refúgio da lucidez.

Após um apagão mundial, um músico fracassado acorda em um mundo onde ninguém se lembra dos Beatles, exceto ele. Ao apresentar as músicas da banda como se fossem suas, ele conquista fama e sucesso, mas também se vê consumido pela culpa e pelo medo de perder quem realmente ama. O enredo transforma um absurdo em reflexão sobre autenticidade e desejo de reconhecimento. Entre risadas e canções nostálgicas, a história mostra que o talento sem integridade é apenas um eco vazio, e que a verdadeira grandeza está em ser fiel ao que se é, mesmo quando ninguém parece ouvir.

Um grupo de investidores excêntricos percebe, antes de todos, que o mercado imobiliário americano está prestes a desabar. Enquanto o sistema financeiro ignora os sinais do colapso, eles decidem apostar contra ele, e lucrar com o caos. A comédia nasce da absurda incompetência das instituições e da ganância coletiva, narrada com ritmo frenético e linguagem afiada. Entre gráficos, metáforas e explicações sarcásticas, o filme transforma um evento real em uma sátira sobre o capitalismo contemporâneo. É um retrato brilhante da estupidez humana travestida de genialidade e da ironia de um sistema que recompensa quem destrói o próprio mundo.

Em uma rua tranquila de Londres, um escritor permite que uma idosa excêntrica estacione sua van em frente à sua casa “por alguns dias”. O que seria uma convivência passageira se transforma em quinze anos de encontros, discussões e cumplicidade improvável. A relação entre os dois revela muito mais do que o contraste entre a ordem e o caos: expõe as fronteiras da empatia, da solidão e da tolerância. O humor britânico se mistura à ternura, e o riso surge das pequenas excentricidades que compõem a humanidade. Uma fábula delicada sobre convivência e compaixão, contada com inteligência e sutileza.

Um arquiteto obcecado pelo trabalho recebe de um vendedor excêntrico um controle remoto capaz de manipular o tempo. Fascinado, ele usa o aparelho para acelerar momentos tediosos e escapar de discussões familiares, sem perceber o preço daquilo que está descartando. Ao apertar “avançar”, ele também passa pela própria vida, perdendo o que havia de mais valioso. A comédia nasce da ironia: um homem tentando controlar o tempo apenas para descobrir que é o tempo que o controla. O filme combina humor e melancolia ao retratar a armadilha moderna da produtividade e a necessidade de reaprender a viver o presente antes que ele desapareça.