Indicado ao Oscar de Melhor Filme Internacional pelo Japão, “Dias Perfeitos” é dirigido não por um cineasta japonês, mas por Wim Wenders, nascido na Alemanha. Isso faz do longa-metragem o primeiro do país a ser indicado ao prêmio da Academia tendo sido dirigido por um não nipônico. Gravado ao longo de 17 dias, a ideia do enredo surgiu de um convite para que Wenders filmasse sanitários artísticos, o The Tokyo Toilet.
Lançado 60 anos após o filme ”A Rotina Tem Seu Encanto”, do cineasta Yasujirô Ozu, o protagonista leva, não coincidentemente, o mesmo nome do protagonista do filme de Ozu, Hirayama (Kôshi Yakusho). A narrativa centrada no cotidiano, com cenas que valorizam a rotina, também é uma das referências ao clássico. Já em comparação com a própria obra de Wenders, “Dias Perfeitos” reacende o interesse pela música e pela memória. Ainda, segue um tom contemplativo e meditativo e, delicadamente, mostra com dignidade e orgulho um ofício comumente desvalorizado e até desprezado: o de limpador de banheiros.
O enredo gira em torno de Hirayama, um homem na casa dos 50 anos, que limpa banheiros públicos e mal fala dez palavras ao longo de mais de duas horas de filme. Seus dias são repetitivos, sua vida simplória, seu ofício invisível. Não há nada de extraordinário acontecendo, mas, mesmo assim, Wenders captura a beleza da rotina, da simplicidade, do trivial. Hirayama é um homem culto. Na parede de sua casa, uma estante abarrotada de livros e um módulo de madeira dedicado às fitas cassete. Como ele quase não fala, a música é, para os espectadores, um GPS de suas emoções. Além disso, ele tem um certo fascínio por plantas, fotografias analógicas e parece sentir plenitude quando o vento sopra em seu rosto enquanto anda de bicicleta.
A vida é a mais monótona e comum que se pode imaginar. Mesmo assim, o protagonista de Yakusho parece estar saboreando cada momento dela. Impressiona-se com pequenos gestos das pessoas ao seu redor, como a amizade entre seu ajudante Takashi (Tokio Hemoto) e um garotinho com trissomia, que simboliza a pureza; a chegada repentina de sua sobrinha Niko (Arisa Nakano), desordenando sua rotina, simbolizando um teste de sua serenidade; e Aya (Aoi Yamada), a garota da fita, que é uma conexão inesperada através da música. Outros personagens são inseridos na trama, cada um parecendo desafiar a tranquilidade do protagonista. Mesmo que cada um desses personagens “interrompa” a frequência de Hirayama, colocando em “ameaça” sua visível serenidade e modo de vida, quando eles se vão, nada é impactado.
Com a aparição de Niko, um espaço em branco sobre o passado de Hirayama é revelado. Vindo de uma família rica e controladora, ele decidiu tomar as rédeas de seu destino, abrir mão da fortuna e se dedicar a uma vida simples, mas disciplinada, que parece satisfazê-lo completamente. Além disso, o filme se mantém sem contextualizar muito sobre os personagens propositalmente. Afinal, o intuito não é explicar o passado, mas compreender que a efemeridade e os desvios acontecem naturalmente na vida. A beleza mora no instante.
★★★★★★★★★★