Homens ainda estamos nos colocando a par do turbilhão de mudanças que se abate sobre os costumes, os protocolos sociais, o léxico, enfim, tudo quanto diga respeito ao novíssimo jeito de viver das mulheres neste insano século 21. Muito disso aparece sob a forma dos esquetes bem-humorados de “A Crise dos Caras”, a série alemã em que as reações e contrarreações de quatro marmanjos frente à avassaladora metamorfose comportamental da pós-modernidade são distribuídas ao longo de oito episódios curtos, mas quase sempre certeiros, malgrado um leve ar de farsa aqui e ali. Tobi Baumann e Jan Martin Scharf exploram os dilemas existenciais do macho contemporâneo, atrevendo-se a questionar o que é ser homem, uma vez que os valores experimentaram uma verdadeira revolução e os paradigmas de gênero e sexualidade ressaltaram suas idiossincrasias e assumiram significados diversos. Nada jamais será como antes e situar-se nesse nova conjuntura é para os fortes. Organizando direitinho todo mundo se entende.
Scharf e as corroteiristas Tanja Bubbel, Fabienne Hurst e Arne Nolting adaptam a série espanhola “Machos Alfa” (2022-2024), dos irmãos Alberto e Laura Caballero, Daniel Deorador e Araceli Álvarez de Sotomayor, à realidade germânica, ainda que não haja nenhuma grande diferença semântica. Permanece a reflexão bem-humorada (e lúcida) sobre as dificuldades masculinas num relacionamento amoroso, a maneira de lidar com cobranças novas e arcaicas quanto à virilidade, a urgência de ser bem-sucedido, no trabalho, na vida pessoal, diante do espelho e, o mais importante, sobre a cama, fantasma que persegue o macho da puberdade à missa de sétimo dia, para uns de forma mais doentia que para outros. Na cena que abre “Não sou contra a ideia”, o episódio inicial, Andi, Cem, Erik e Ulf são vistos no que parecem um AA para machistas. O encontro desenrola-se sem maiores percalços, até que um deles se insurge contra o palestrante, levanta-se e sai pisando firme. Nesse primeiro contato, o espectador já tem uma noção de que esta será uma jornada longa e cheia de perigos rumo a um possível novo entendimento acerca da própria sexualidade, que nunca se sabe se vai mesmo vingar.
Entram na história eventos como a proposta da advogada Kim, que quer viver uma relação aberta, poligâmica, com Erik, um chef de cozinha mulherengo, justo na hora em que ele pensava em pedir-lhe a mão. As situações envolvendo os personagens de Marleen Lohse e David Rott decerto são as conduzidas de maneira mais orgânica, sem fazer-se necessário o uso da comédia física nem de expressões chulas. Entretanto, há que se reconhecer a graça da narrativa levada por Andi e Silke, um casal que chega ao vigésimo aniversário de vida em comum tendo de descobrir expedientes alternativos para conservar aceso o já combalido fogo da paixão — o que inclui apelar a brinquedinhos impróprios para menores de quarenta anos. Moritz Führmann e Franziska Machens conferem uma refrescante aura de pastelão a um assunto sério, trágico muitas vezes. “A Crise dos Caras” é para machos alfa, beta ou gama. Mais por nós mesmos que por hipotéticas próximas conquistas românticas.
Série: A Crise dos Caras
Direção: Tobi Baumann e Jan Martin Scharf
Ano: 2025
Gênero: Comédia
Nota: 8/10