3 filmes da Netflix para quem já leu Freud, Jung e Lacan — e não se contentou com a superfície Divulgação / Blumhouse Production

3 filmes da Netflix para quem já leu Freud, Jung e Lacan — e não se contentou com a superfície

Certos filmes parecem incompletos à primeira vista. Como se faltasse algo: um gesto, uma chave, uma camada de leitura. Mas o que falta não é falha; é estrutura. Essa ausência é, muitas vezes, a própria marca de um cinema que recusa a clausura da narrativa. Filmes assim não se prestam ao conforto da explicação, mas sim ao deslocamento psíquico. E esse deslocamento, como ensinam as leituras de Freud e Lacan, é onde o sujeito se confronta com o que não pode simbolizar.

Com formação crítica ancorada em estudos psicanalíticos e teoria do cinema contemporâneo, afirmo: o valor desses filmes está justamente em sua opacidade. Não são “sobre” psicanálise, mas são atravessados por ela, como quem sonha em um idioma ainda não aprendido. “I Am Mother” articula a função materna como eixo de estruturação do desejo, não como afeto. É o Outro, não a mãe. Em “Cam”, a imagem reflete até o rompimento, deslocando a identidade para um campo especular instável. E “Pieces of a Woman” expõe o real do trauma — aquele que resiste à representação, como Freud descreveu em sua teoria do retorno do recalcado.

Essas obras exigem mais que atenção: exigem escuta. Escuta no sentido clínico, lacaniano, em que o essencial não é o que se disse, mas o que falhou em se dizer. O que ressoa. O que retorna. A experiência estética aqui se cruza com a experiência analítica, ambas dispostas a lidar com a falta como motor de sentido.

Há quem chame isso de hermetismo. Prefiro chamar de ética. Uma ética do olhar que recusa atalhos, interpretações apressadas, soluções fáceis. São filmes que ecoam para aqueles que já cruzaram, mesmo que de forma fragmentária, os corredores do saber psicanalítico. Obras que exigem repertório, mas não por pedantismo — e sim porque operam no campo do simbólico, do imaginário e, sobretudo, do real.

Para o espectador disposto a escutar além do enredo, esses filmes não apenas desafiam a lógica tradicional do cinema narrativo. Eles revelam que o cinema, em sua forma mais radical, pode falar a partir do inconsciente.

Revista Bula

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