O século 21 nasceu sob o signo da promessa. Avanços tecnológicos, globalização, inteligência artificial, integração entre os povos e as culturas e aperfeiçoamento da medicina pressagiavam um tempo de profundas transformações, que brindariam a humanidade com um dia a dia mais prático, relações internacionais serenas, vidas mais longevas e muito mais saudáveis. Entretanto, as duas primeiras décadas deste insano século trataram de colocar abaixo as ilusões, e esfregar-nos na cara que continuamos a nos lançar no abismo da intolerância, do ódio, da desigualdade social, talvez esperando a invasão dos bárbaros.
Eles vieram, não para nos salvar, mas para enterrar-nos definitivamente. O século 21 talvez seja o período histórico sobre o qual pairam mais dúvidas — exceto quanto à urgência de se erradicar certos hábitos. Apesar dos incansáveis alertas da comunidade científica e de ONGs de defesa do ambiente, o mundo continuou a queimar combustíveis fósseis, desmatar florestas e encher de microplásticos os oceanos. Ondas de calor recorde, dilúvios, incêndios, derretimento das calotas polares e extinção em massa de espécies são o novo normal. Não se trata do futuro, mas de um presente desafiador, efeito da pletora de decisões equivocadas, despreparo e negligência. Um Antropoceno apocalíptico, infernal. A Era das Catástrofes.
A definição do historiador britânico Eric Hobsbawm (1917-2012) para o avassalador torvelinho de infortúnios que nos colhe alcança também a ascensão, sob a roupagem pseudoliberal, de regimes autoritários, inconfessadamente ajudados pelos algoritmos. Demagogos aludem a instrumentos democráticos para bombardear a democracia, alimentando-se de notícias falsas, da polarização e da descrença nas instituições. Antes vistas como meios para que se conservassem as liberdades individuais, as redes agora são usadas para a manipulação mais rasteira.
O que impera não é a lei, mas a pós-verdade e seu poder de mudar o real em delírio e vice-versa, prevalecendo a “narrativa” sobre o fato. Os anseios por um mercado que se autorregulasse provou-se uma quimera. Retrocedendo-se um pouco, a crise financeira de 2008 colocou a nu as fraquezas de um sistema construído sobre especulação, endividamento e desigualdade. Não demorou muito para que bilionários ficassem ainda mais ricos enquanto milhões perdiam seus empregos, suas casas e a dignidade. Definitivamente, o século 21 não tem sido alentador para os mais pobres, e faz a festa de uns nove ou dez cujos patrimônios superam PIBs de um punhado de nações africanas.
“Era dos Extremos”, o livro de Hobsbawm, sintetiza o colapso do século 21, plantado e adubado à farta ao longo do século que o antecedeu, e traz consigo análises que os demais seis volumes desta seleção ecoam. Todos esses colapsos estão interligados, e não são uma pane no sistema: são o sistema a operar sem nenhum freio moral. Colapsos podem ser o início de uma nova era; todavia, faltam-nos líderes corajosos e sensatos para tal.

Em “Colapso”, Jared Diamond investiga por que algumas civilizações do passado ruíram enquanto outras conseguiram sobreviver, articulando história, geografia, ecologia e antropologia. O autor analisa casos emblemáticos como os vikings na Groenlândia, os maias e a Ilha de Páscoa, revelando como fatores ambientais, escolhas políticas e sociais, e a incapacidade de adaptação contribuíram para o colapso. Diamond argumenta que sociedades que ignoraram os sinais de degradação ambiental acabaram provocando seu próprio fim. A originalidade do livro está em conectar essas lições históricas com os desafios contemporâneos, como o aquecimento global, o consumo desenfreado e a desigualdade econômica. Ele sugere que, ao contrário de catástrofes inevitáveis, muitos colapsos foram resultado de decisões humanas equivocadas. Ao mesmo tempo, mostra exemplos de resiliência e aprendizado, apontando caminhos possíveis para evitar a repetição dos erros. A obra é um chamado à responsabilidade coletiva e uma reflexão profunda sobre o destino da civilização global diante das escolhas que fazemos hoje.

“Era dos Extremos”, primeiro volume da tetralogia de Eric Hobsbawm sobre o “longo século 20”, analisa as décadas turbulentas de 1914 a 1945, marcadas por guerras mundiais, crises econômicas e convulsões políticas. O historiador britânico interpreta esse período como uma era de colapso da ordem liberal burguesa do século 19, substituída por ideologias extremas — fascismo, comunismo e nacionalismos autoritários — e por uma violência sem precedentes. Hobsbawm combina erudição marxista e lucidez crítica para mostrar como as instituições tradicionais fracassaram em conter a desintegração do sistema capitalista, abrindo espaço para experimentos radicais. A Grande Depressão de 1929, a ascensão de Hitler, o stalinismo e os horrores da Segunda Guerra Mundial são tratados como sintomas de uma crise global do modelo ocidental. O livro também denuncia a incapacidade das elites de compreender as transformações em curso. Mais que uma análise histórica, a obra é uma advertência: a modernidade, sem freios sociais e éticos, pode gerar monstruosidades. Hobsbawm oferece um olhar inquietante e rigoroso sobre o século que prometeu progresso e entregou ruína.

“Neuromancer”, de William Gibson, é uma obra seminal da ficção científica cyberpunk, publicada em 1984, que redefiniu o imaginário tecnológico e social do futuro. O romance acompanha Case, um ex-hacker que, após ser punido por roubar seus empregadores, é recrutado por um misterioso mercenário para realizar uma missão envolvendo inteligência artificial e manipulação de sistemas cibernéticos. Ambientado em um mundo decadente, hiperconectado e dominado por corporações, o livro antecipa conceitos como realidade virtual, ciberespaço e hackers como protagonistas anti-heroicos. Gibson constrói uma narrativa densa, fragmentada e estilisticamente inovadora, que exige atenção do leitor e propõe uma crítica velada ao avanço tecnológico desumanizador. A inteligência artificial Wintermute e sua busca por autonomia levantam questões filosóficas sobre consciência, livre-arbítrio e os limites da ética no uso da tecnologia. O autor também evidencia o colapso das fronteiras entre homem e máquina, físico e digital, real e virtual — uma reflexão potente diante da era digital que começava a despontar. Neuromancer não é apenas visionário por prever o futuro da internet, mas também por traçar um retrato sombrio das implicações sociais e existenciais da tecnociência desenfreada. Seu legado permanece atual, influenciando não só a literatura, mas o cinema, os jogos e o pensamento contemporâneo sobre tecnologia.

Em “O Ponto de Mutação”, Fritjof Capra propõe uma profunda revisão do paradigma mecanicista que domina o pensamento ocidental desde o Iluminismo. Unindo ciência, filosofia, ecologia e espiritualidade, o autor defende a necessidade urgente de uma visão sistêmica da realidade, em que o mundo seja compreendido como uma teia interdependente e não como um conjunto de partes isoladas. Capra critica a fragmentação do saber, a lógica linear e a obsessão pelo controle técnico, que resultaram em crises ecológicas, sociais e psicológicas. Inspirado pela física quântica, pela biologia de sistemas e pelas tradições orientais, ele propõe uma mudança de mentalidade – um ponto de mutação – capaz de transformar a forma como vivemos, pensamos e nos relacionamos com o planeta. O livro é tanto diagnóstico quanto manifesto: denuncia os impasses da modernidade e convoca a uma nova ética baseada na cooperação, no equilíbrio e na sustentabilidade. Visionário e provocador, Capra oferece um mapa intelectual e espiritual para um futuro mais integrado e resiliente.

Publicado em 1962, “Primavera Silenciosa” é uma obra seminal que inaugurou a consciência ambiental moderna. Rachel Carson denuncia, com clareza científica e sensibilidade poética, os efeitos devastadores do uso indiscriminado de pesticidas, especialmente o DDT, sobre a natureza. A autora revela como esses produtos químicos, vendidos como promessas de progresso agrícola, envenenam solos, águas, animais e, inevitavelmente, os seres humanos. O título alude ao silêncio perturbador de uma primavera sem pássaros, metáfora do colapso ecológico iminente. Carson desafia o poder da indústria química e a omissão de governos que priorizam lucro sobre vida. Sua argumentação é embasada, mas também ética e emocional, convocando o leitor à responsabilidade coletiva. A repercussão do livro foi tão profunda que levou à revisão de políticas ambientais e à criação da EPA (Agência de Proteção Ambiental) nos Estados Unidos. Mais do que um alerta, “Primavera Silenciosa” é um manifesto contra a arrogância humana diante da complexidade da vida natural. Carson inaugura um novo paradigma: o do cuidado, da escuta e do limite.

A luta pela sobrevivência impele-nos a assumir uma postura mais agressiva diante dos outros e esse personagem não demora a ser incorporado à nossa natureza, com a providencial ajuda das várias dificuldades que se agigantam nos cenários extremos em que a vida, caprichosa, transforma-se num palco tétrico onde se chega para matar ou para morrer. Indivíduos são esbulhados de seu arbítrio e de sua sensibilidade e se convertem num prolongamento da consciência coletiva, não pensam mais pela própria cabeça e veem-se obrigados a se submeter a expedientes os mais vis, não por covardia, mas por não poderem contar com ninguém. Ao suscitar questões como truculência policial, intolerância, patrulhamento ideológico, políticos ineptos, juventude perdida e delinquente, “1984” é um monumento imperecível à liberdade em seu conceito mais elementar, partindo dele para elaborações bem mais sofisticadas e herméticas, que até passam batidas em meio à insânia do nosso tempo, capaz de converter em democracias governos flagrantemente abusivos e mesmo totalitários. Publicado em 1949 por George Orwell (1903-1950), “1984” de tempos em tempos balança a letargia que abestalha-nos a todos, decerto porque a realidade sempre consegue ser mais cruel.

“Admirável Mundo Novo” é uma distopia clássica que antecipa uma sociedade futurista dominada por tecnologia, condicionamento psicológico e controle estatal disfarçado de felicidade coletiva. Huxley constrói um universo em que os cidadãos são geneticamente programados e socialmente condicionados a cumprir funções específicas, sem sofrimento, questionamentos ou vínculos afetivos profundos. A droga soma, o sexo livre e o consumo incessante funcionam como pilares da estabilidade. Contudo, essa aparente utopia revela-se uma forma sofisticada de opressão: a liberdade individual, a arte, a filosofia e o amor foram sacrificados em nome da ordem. A chegada de John, o “selvagem”, expõe o vazio existencial dessa sociedade: mesmo diante do progresso, a humanidade parece ter perdido sua essência. O confronto entre John e o Mundo Novo simboliza o embate entre autenticidade e alienação. Huxley antecipa com inquietante lucidez os perigos de uma civilização anestesiada e alerta para o preço de uma paz conquistada à custa da autonomia.