Vencedor de 4 Oscars, o último grande filme de Ron Howard está na Netflix Divulgação / Universal Pictures

Vencedor de 4 Oscars, o último grande filme de Ron Howard está na Netflix

Aos 22 anos, o matemático John Forbes Nash Jr. (1928-2015) defende sua tese de doutorado na Universidade de Princeton. O estudo, revolucionário, consiste numa teoria que associa jogos e rivalidade na solução de questões econômicas, confrontando ninguém menos que Adam Smith (1723-1790) e promovendo a maior revolução em um século e meio de teoria econômica. Nash ganha os holofotes e torna-se famoso em todo o mundo, mas em “Uma Mente Brilhante” Ron Howard parece determinado a convencer o espectador de que nada foi tão simples assim — e não foi mesmo. Um espectro rondava o gênio de Nash e, por coincidência ou não, manifesta-se justamente em seu momento de esplendor, no auge de sua produção intelectual e plenitude afetiva. É impossível saber de que forma a dedicação de Nash teria abalado sua saúde mental e, ainda mais importante, o quão doente pode ter ficado por ter mergulhado de cabeça nos enigmas da matemática, ou por estar numa eterna viagem pelos estranhos mares do Pensamento, sozinho, para mencionar a referência a “O Prelúdio” (1850), que William Wordsworth (1770-1850) levou uma vida inteira para concluir. E é isso o que faz deste um grande filme.

O roteiro de Akiva Goldsman, baseado na biografia homônima da jornalista teuto-americana Sylvia Nasar, de 1998, pinta Nash como um homem comum, dado ao isolamento social, um tanto arrogante, uma criatura que não desperta o interesse de ninguém, de que ninguém faz questão de ter por perto, e que foi aprendendo a pagar solidão com rancor, ainda que raramente apareça sozinho no decorrer dos 135 minutos. Além dos colegas de Princeton, Nash convive com Charles Herman, o farrista com quem divide o quarto no alojamento da universidade, e quem já leu um pouco acerca da vida do matemático sabe que Charles é só o primeiro dos fantasmas a turvar a realidade com as tintas cada mais fortes do delírio. A jogada de mestre de Howard é empurrar o público junto com seu protagonista para esse mundo de aparências, mesclando-as com personagens reais, a exemplo de Hansen, o contendor de Nash vivido por Josh Lucas, ou Sol e Bender, os amigos mais chegados, de Adam Goldberg e Anthony Rapp. E não é exatamente uma surpresa quando Alicia Lardé Lopez-Harrison (1933-2015) amolece o pequenino coração do gênio.

Russell Crowe e Jennifer Connelly encarnam o típico casal de propaganda de margarina, ao menos até que a esquizofrenia instale-se de vez, na pele de William Parcher, um suposto agente federal que coopta Nash para a missão de decodificar mensagens secretas enviadas pelos países comunistas da ex-União Soviética, dispostas em notas na primeira página do “New York Times”. Ed Harris rouba a cena em diversas ocasiões, assim como Connelly, que atropelou Crowe e venceu o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante — Crowe, justiça se lhe faça, levou sua estatueta, de Melhor Ator por “Gladiador” (2000), de Ridley Scott, um ano antes. A vasta equipe de maquiagem permite que Crowe e Connelly envelheçam 44 anos e cheguem à cerimônia de entrega do Nobel de Economia, em 1994, depois de um sem-fim de sessões de terapia de choque insulínico ministradas pelo doutor Rosen, de Christopher Plummer (1929-2021). Vinte anos mais tarde, os dois morreram, juntos, num acidente de carro em 23 de maio de 2015, em mais uma evidência de que a vida é muito pouco lógica. E pode ser estupidamente irônica também.

Filme: Uma Mente Brilhante 
Diretor: Ron Howard
Ano: 2001
Gênero: Biografia/Drama/Romance/Thriller
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★
Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.