O livro mais vendido de 2025 no Brasil é tão ruim que virou fenômeno

O livro mais vendido de 2025 no Brasil é tão ruim que virou fenômeno

Era previsível, ainda assim constrangedor. Os primeiros exemplares de “A Empregada” começaram a aparecer em malas de rodinhas, depois em stories patrocinados, depois em listas de mais vendidos onde antes existiam autores. Um livro que parece montado por um grupo de marketing com tempo livre, colando pedaços de tramas policiais, feminismo de PowerPoint e sustos narrativos cronometrados como quem escreve com um cronômetro de TikTok na mão. Nenhuma frase dura mais do que sete segundos. Nenhuma personagem resiste ao segundo capítulo sem ser completamente reciclada, apagada ou simplificada. E ainda assim, ou justamente por isso, o livro virou um fenômeno. Fenômeno como enjoo coletivo ou como riso nervoso diante de uma tragédia.

Não é exagero dizer que Freida McFadden não escreveu um romance. Ela desenhou um roteiro de parque temático emocional, onde a cada dez páginas um segredo é revelado, uma porta é aberta, uma pessoa morre ou quase, e alguém é acusado — mas só até a próxima reviravolta, porque nada é o que parece ser, embora tudo seja exatamente o que se imagina. A empregada que ouve conversas atrás da porta, que se apaixona sem querer, que esconde um passado criminoso e ainda encontra tempo para resolver crimes — tudo isso sem perder a hora de servir o jantar — não é uma personagem. É um avatar. Um emoji com sangue frio. Um boneco inflável que repete falas de série de streaming.

A Empregada
A Empregada, de Freida McFadden (Editora Arqueiro, 304 páginas, tradução de Roberta Clapp)

A questão aqui não é que o livro seja ruim. Livros ruins existem, sobrevivem, às vezes são importantes. A questão é que ele é programado para simular impacto, feito com uma arquitetura industrial que conhece cada ponto cego do leitor comum e os explora com a precisão de quem sabe que ninguém vai parar para pensar se aquilo faz sentido. Não faz. O hospital psiquiátrico, o quarto trancado, a filha escondida, o vestido de festa jogado no porão. Tudo isso tem o cheiro de enredo em conserva, de emoção pré-fabricada, de tragédia pasteurizada. Desculpa, repeti. Mas é que isso me volta.

Há quem diga que o sucesso do livro se deve à empatia. Que a narradora, com sua posição inferior na casa, seu olhar de fora, sua dor calada, reflete alguma coisa nas leitoras que se identificam. Mas não há empatia possível em uma construção tão plástica. A personagem é serva e espiã, frágil e indestrutível, vítima e justiceira, tudo ao mesmo tempo e sem nenhum traço de verossimilhança. Parece o retrato de uma mulher escrito por um algoritmo com repertório de novela mexicana e diagnósticos de Twitter.

Talvez você nem entenda isso — nem eu entendo. Mas tem algo de incômodo na maneira como esse tipo de livro se impõe. Não pela história, que é esquecível, nem pela linguagem, que é genérica, mas pelo fato de ele representar o triunfo de uma ideia muito perigosa: a de que literatura precisa apenas entreter, como se entreter fosse o único verbo que restou. Como se não houvesse mais espaço para o incômodo, o silêncio, a lentidão. “A Empregada” é tudo que um algoritmo gostaria que você lesse. Rápido, previsível, traduzível. Sem ambiguidade, sem espessura, sem pausa.

E talvez o mais triste nem seja o livro, mas o fato de que ele não é exceção. Ele é regra. Ele é modelo. Ele é template. Há uma centena de outros exatamente como ele, com capas semelhantes, títulos de uma palavra só, sinopses que começam com “Ela achava que tinha tudo sob controle…”. São livros que não acreditam no leitor, que não confiam na sua capacidade de esperar, de estranhar, de sentir sem precisar ser empurrado. São livros que gritam “leia-me”, mas não têm nada a dizer.

Houve um tempo em que best-seller era sinônimo de narrativa envolvente. Hoje, é sinônimo de simulação narrativa. Tudo parece literatura — o ritmo, a tensão, os diálogos — mas é apenas ruído. Um ruído que vicia. Que embala. Que adormece. E que, ironicamente, é vendido como se fosse um soco. Um livro que você não consegue largar, dizem. Mas também não consegue lembrar. Nem citar. Nem discutir. Porque não há o que discutir. Há apenas o consumo.

Acho que estou escrevendo mais para mim do que para qualquer leitor. Mas enfim. “A Empregada” será adaptado. Vai virar série. E mais livros virão. E talvez não importe. Mas uma coisa fica: quando o livro mais vendido do país não oferece nenhum traço de invenção, nenhum risco narrativo, nenhuma linguagem que resista ao vento, a literatura inteira empobrece. Não por culpa do leitor — que muitas vezes só quer uma fuga — mas por culpa da indústria, que parou de acreditar na inteligência de quem lê.

E daí, o café esfria. E alguém pergunta: mas qual o problema de um livro ser só entretenimento? Nenhum. Desde que ele não prometa o que não entrega. Desde que ele não se venda como experiência transformadora quando não passa de um quebra-cabeça de fórmulas. Desde que ele não nos convença de que isso é o melhor que podemos ter.