A regra é clara: se não postou, não viveu — e que caiba no intervalo entre duas notificações. Quem é tão desocupado para conseguir ler um livro da primeira à última página, e, absurdo dos absurdos, sozinho com seus botões fazer um esforço para digerir o que acaba de registrar? Nesse contexto em que tudo é urgente, os audiolivros vieram como o maná que redime a culpa pelos momentos em que fomos obrigados a preterir a leitura para frequentar a academia, o salão de beleza, a aula de stand up paddle. Ninguém quer passar por estúpido ou bárbaro; em assim sendo, os livros falados são a ponte para uma nova configuração intelectual, firmada na praticidade e, sobretudo, na economia. Contudo, há pedras no meio do caminho desta maravilhosa revolução do conhecimento e do aprendizado.
A experiência diante do livro físico continua um mistério. É a leitura “à antiga” que mantém as sinapses, garantindo que a informação chegue fresca ao cérebro e transportando o leitor para regiões que talvez nem ele mesmo conheça ou esperava conhecer, ao seu talante. O ritmo é ditado por quem lê, e ao longo de um parágrafo, para-se, sublinha-se uma frase, consulta-se o dicionário. Matreiro, o audiolivro elimina alguns dos grandes prazeres da experiência literária convencional em nome da praticidade e do imediatismo. Ouvir não é o mesmo que ler. A leitura exige concentração exclusiva, análise, movimentos reiterados de interrupção e volta. Não se pode comparar uma tarde inteira no museu, farejando um e outro recinto na avidez de conhecer o que os demais não enxergam, a uma visita guiada às pressas. Há uma diferença abissal entre olhar e ver, bem como entre perceber e sentir.
Os audiolivros, dizem, são uma forma moderna de preservar-se alguma intimidade com a literatura, mormente num mundo onde tempo é, de fato, dinheiro, mas essa ideia esconde um atravanco monumental: o culto irrestrito à produtividade. Ler vira um tormento, uma vez que só importa preencher uma determinada lacuna do dia, pautado por outras atividades, essas, sim, fundamentais. Dostoiévski ou Joyce não se sustentam quando diluídos numa pletora de encargos. Prevalece a autoilusão de saber, nutrida pelo conforto do egocentrismo e da superficialidade, mas o audiolivro não precisa ser varrido do mapa. Este pode constituir um bom expediente para revisar obras já conhecidas ou à guisa de incentivo para que se desenvolva o interesse num autor sobre o qual já se ouviu falar, além, claro, de servir de uma ferramenta poderosa para a inclusão de deficientes visuais. Audiolivros podem ser um mal necessário, mas poucas coisas dão tanto prazer como manchar os dedos de tinta.