Alguns frequentam bares para esquecer os problemas; outros, para esquecer que não leram Crítica da Razão Pura. De todo modo, todos merecem uma chance de parecer profundos enquanto seguram um copo de chope e citam Heidegger entre uma batata frita e outra. O truque não é entender, é franzir a testa no tempo certo, soltar um “isso me lembra muito o que Sartre dizia” e mudar de assunto antes que perguntem “o quê exatamente?”. Nesta lista, selecionamos cinco obras fundamentais para fingir que você lê filosofia fenomenológica em francês, quando na verdade sua maior reflexão existencial é sobre o preço do Uber.
É claro que, ao longo dos séculos, grandes pensadores tentaram nos explicar o ser, o tempo, o nada e até o desejo, só esqueceram de nos avisar que a maioria desses textos exige não só leitura, mas também resiliência. Para cada parágrafo, um Google aberto. Para cada citação, um sono profundo. E mesmo assim, nada disso impede que você decore meia dúzia de frases desconexas e as utilize com firmeza e cara de quem já entendeu tudo. Você não vai enganar um professor de filosofia, mas pode muito bem impressionar aquele colega que só leu “O Pequeno Príncipe” e tem medo de admitir.
Mas sejamos justos: essas obras são, sim, densas, revolucionárias e absolutamente transformadoras, principalmente na hora de transformá-lo num mito da mesa do bar. Você não precisa ter lido, só parecer que está relendo pela terceira vez. Por isso, preparamos sinopses de altíssimo nível para você se apoiar quando alguém perguntar “qual é mesmo a diferença entre o ser-em-si e o ser-para-si?” ou “o que Kant quis dizer com síntese transcendental?”. Respire fundo, olhe com desaprovação, diga “leia o original”, e deixe o resto com a gente.

Contra a psicanálise tradicional e seu culto ao complexo de Édipo, os autores propõem uma máquina desejante: uma nova forma de pensar o inconsciente como produção e fluxo, não como falta. O desejo não remete à castração, mas à criação — de conexões, territórios, agenciamentos. Neste primeiro volume de O Capitalismo e Esquizofrenia, eles desmontam a centralidade da família edipiana, questionam o papel do Estado na normatização da subjetividade e associam esquizofrenia e resistência política. A crítica ao capitalismo se dá em seu ponto mais íntimo: o desejo é colonizado, moldado e domesticado por estruturas de poder. Pensar fora disso exige uma ética do delírio, um pensamento rizomático, que se espalha sem centro. Complexo, provocador e deliberadamente caótico, o livro convoca o leitor a experimentar o pensamento como fuga — não da realidade, mas das formas de sujeição.

A consciência não é uma coisa: ela é o nada que revela o ser. Partindo dessa tese, o filósofo francês desenvolve um tratado monumental sobre a ontologia fenomenológica, onde a liberdade é tão radical quanto angustiante. O ser humano é lançado no mundo sem essência prévia, condenado à liberdade de se fazer por meio de seus atos. Assim, a má-fé surge como o mecanismo pelo qual tentamos escapar dessa responsabilidade — fingindo, por exemplo, que temos uma identidade fixa, ou que somos apenas papéis sociais. Mas o eu, para Sartre, é um projeto inacabado: está sempre além de si mesmo, num devir constante. Nessa busca incessante, a existência precede a essência, e o sujeito jamais encontra repouso no que é, apenas inquietação no que pode vir a ser. A consciência, portanto, está sempre em falta de si mesma — e é aí que mora sua potência.

Um homem se vê tomado por uma sensação avassaladora de absurdo diante da existência: os objetos, as palavras, os próprios gestos se tornam estranhos, quase grotescos, descolados de qualquer sentido pré-estabelecido. Nesse romance filosófico, Sartre personifica a crise existencial através do protagonista Antoine Roquentin, que registra em seu diário a dissolução de todas as certezas. A experiência do nada não é uma abstração, mas uma vertigem física, quase tátil. A náusea, como metáfora, expressa a irrupção do ser em sua crueza: sem razão, sem finalidade, sem transcendência. Só então, paradoxalmente, surge a possibilidade de liberdade — não mais sustentada por valores herdados, mas construída no vazio, a partir de uma decisão radical. Escrever, amar ou apenas existir torna-se um ato de invenção. Mas só depois que tudo o mais desaba.

O ser, essa palavra tão dita e tão pouco compreendida, é aqui desenterrado por meio de uma análise do ente que pode questionar o próprio ser: o ser-aí, ou Dasein. Heidegger não oferece respostas fáceis — e essa é precisamente a questão. Em vez de construir sistemas, ele desconstrói categorias herdadas, mostrando que o tempo é a chave para compreender a existência. O ser-aí não é uma coisa entre outras, mas um projeto temporal, arremessado no mundo, sempre já em relação com sua finitude. Ser é ser-para-a-morte, e é esse confronto com a própria finitude que permite a autenticidade. A existência cotidiana, com suas rotinas e distrações, tende a esconder essa verdade fundamental. Somente ao encarar a angústia, o Dasein se apropria de si mesmo, abrindo-se para a possibilidade mais radical: existir plenamente no tempo.

Esta obra funda um novo paradigma filosófico ao investigar os limites e possibilidades do conhecimento humano. Kant propõe uma revolução copernicana: em vez de pressupor que o pensamento deve se adequar aos objetos, ele defende que os objetos devem se adequar às formas a priori da sensibilidade e do entendimento. Tempo e espaço não são propriedades das coisas, mas estruturas da mente que tornam a experiência possível. A razão pura, ao tentar ultrapassar os limites da experiência empírica, incorre em ilusões metafísicas, como a ideia de alma imortal ou de Deus como causa primeira. O autor propõe, então, uma distinção entre fenômeno (o que aparece) e númeno (o que é em si), acessível apenas pela razão prática. Com isso, redefine os contornos da metafísica, da ciência e da moral, pavimentando o caminho da filosofia moderna com rigor inédito.