Vale a pena ficar em casa para assistir à nova série do criador de Dawson’s Creek e Pânico Dana Hawley / Netflix

Vale a pena ficar em casa para assistir à nova série do criador de Dawson’s Creek e Pânico

Negócios de família são a metáfora perfeita para falar de sonhos e desilusões, tudo alinhavado pela força do dinheiro que compra consciências e mantém esses impérios. Os Buckley dominam muito mais que o mar e a terra em Havenport, fictícia cidade costeira na Carolina do Norte, e por isso “O Píer” assemelha-se tanto a muito do que já foi mostrado antes. Assim mesmo, Kevin Williamson consegue oferecer ao público cenas com algum frescor, especialmente nos dois episódios dirigidos por Marcos Siega. Muita coisa acontece no primeiro dos oito capítulos, mas Siega é hábil em fazer um apanhado do que se irá ver sem que se perca a vontade de esperar que aconteça. O roteiro de Williamson e outros cinco colaboradores passeia por tráfico de drogas, uma perene ameaça de divórcio, amores de colégio e acertos de conta extralegais, um leque de assuntos vasto demais para ser ignorado.

Em algumas circunstâncias, o passado é como um monstro que pensamos encerrar numa gaiola de ouro, o nutrindo e acalentando, até que ele, afinal, revela sua verdadeira força. Tragédias pessoais moldam o caráter dos homens, tanto deixando mais amena sua apreensão sobre a vida, ou, pelo contrário, fustigando-os com tal ímpeto que aprisionam-se na ideia de que merecem uma revanche. Williamson recorre a lembranças domésticas para alicerçar “O Píer”. Seu pai, um operário da indústria pesqueira, contava-lhe dos bastidores do trabalho, e decerto daí nasceu a força de Harlan Buckley, um empresário mulherengo, beberrão e nada escrupuloso que comanda com mão de ferro uma rede de peixarias e de restaurantes de frutos do mar. De súbito, ninguém duvida que o patriarca corta um dobrado para que suas confusões permaneçam abaixo do nível da água, e Holt McCallany vai do patético ao assustador, primeiro como um  sessentão metido a galã que enfarta numa visita à amante, depois na pele de um gângster disposto a comprar meio mundo num esforço de livrar-se do escrutínio da DEA e do FBI. Para cobrir um rombo de caixa, Cane, o primogênito vivido por Jake Weary, usava os barcos da companhia para transportar entorpecentes, o que movimenta boa parte da narrativa sem dificuldade. 

Tudo quanto se passa até o desfecho remete, em maior ou menor proporção, a maneira como Harlan e Cane conduzem a crise financeira dos Buckley, colocando a mão na sujeira e no sangue sem nenhuma garantia de que recolocarão as coisas nos eixos. Williamson aposta nessa instabilidade emocional de seus protagonistas masculinos, deixando para Belle, esposa e mãe deles, o verdadeiro poder. Maria Bello exerce admirável domínio sobre sua personagem, a clássica anti-heroína, perdida entre o amor que pensa ainda sentir por Harlan e a certeza de que o deveria abandonar aos próprios vícios. Com a licença do trocadilho, “O Píer” é incomodamente familiar, mas surte efeito de qualquer modo.


Série: O Píer
Criação: Kevin Williamson
Ano: 2025
Gêneros: Drama, crime 
Nota: 8/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.