Você não precisa terminar um livro chato! Por que abandonar leituras é libertador

Você não precisa terminar um livro chato! Por que abandonar leituras é libertador

Cada qual sabe onde aperta-lhe o sapato, diz a voz cava das ruas. A ideia de abandonar uma leitura no meio, em especial uma que vem tomando tempo e energia, é vista como um sinal de autoderrota, desleixo, preguiça ou falta de compromisso. Até pode ser, mas, para continuar com a sabedoria do povo, tempo é dinheiro, há livros à mancheia a nos esperar em alguma biblioteca de rua num bairro pastoril de uma cidade frenética, e muita vez são eles que preenchem aquele vazio que nem sabíamos incomodar tanto. A leitura é uma atividade intelectual, mas deve ser também uma fonte de júbilo, satisfação pessoal, prazer; ou seja, insistir em terminar um livro maçante, pernóstico, tolo, não deixa de ser uma espécie muito peculiar de masoquismo, daqueles que machucam com toda a delicadeza. Mas o que não nos mata dá-nos força, não é mesmo?

A vida é curta demais para livros ruins. Um livro pode ser aclamado pela crítica, tornar-se o objeto de desejo de milhões de leitores, adquirir o epíteto glorioso de clássico e, ainda assim, não dizer-nos nada. Isso não é nenhuma tragédia, e, ao contrário, quiçá leve a uma epifania, à grande revelação que por seu turno conduz ao livro salvador, aquele que há de inspirar-nos e acender em nós as ideias que alumiam a consciência no longo caminho rumo à evolução.

Permanecer nos livros tediosos por orgulho, brio, heroico destemor frente ao que causa repulsa ou uma necessidade de provar a si mesmo sua bravura resiliente é uma das caras da insânia. Existe alguma coisa de muito errado em quem não é capaz de dar uma chance a sua própria intuição, a manifestação primeira do divino que há em todos nós. 

A insistência em terminar livros que não agradam pode desencadear um efeito colateral perigoso: o bloqueio do hábito de ler. Quando a leitura fica arrastada, é comum que o leitor perca o ânimo por tudo quanto lembre o universo da palavra escrita e, aos poucos, deixe de ler por completo. Muita gente que afirma não gostar de ler passa, na verdade, por um trauma qualquer, originado ainda na escola devido a diretrizes pedagógicas draconianas acerca de publicações avaliadas sabe Deus mediante que critérios ou, pior, por esquemas fraudulentos de participação nos lucros das editoras. Por outro lado, nem toda leitura difícil deve ser descartada de imediato; tudo é uma questão de discernimento, conceito a só tempo tão gasto e tão vital e que costuma dar em excelentes providências. Valer-se de livros modestos para maturar o espírito para grandes leituras pode ser a melhor dentre elas.

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.