7 livros com ego maior que o número de páginas

7 livros com ego maior que o número de páginas

Admita-se ou não, a vaidade está presente em quase todos os campos da arte, mas na literatura ela toma proporções especialmente delicadas. Escritores projetam nas páginas de seus livros não só seu domínio do idioma, da condução da narrativa, seu traquejo em elaborar circunvoluções retóricas, mas também boa parte de seu ego, sua visão de mundo e a urgência por reconhecimento. Em muitos casos, a ufania de si mesmo é combustível para a criatividade; em outros, um perigo, um estratagema diabólico do inconsciente para colocar a perder a obra. Não há uma espécie de nível seguro: a egolatria tanto pode conferir valor literário a um texto como dar cabo da mínima chance de o autor alcançar o coração do público. Antes de qualquer outra coisa, é necessário definir o que vem a ser um escritor vaidoso. Em poucas palavras, essa categoria é feita de mulheres e homens que exigem, ainda que num golpe sub-reptício, ser venerados, nem tanto pelo que escrevem, mas pela persona que criam para a imprensa, para os programas de televisão e festas literárias. São figuras folclóricas sempre suscetíveis a uma ofensa inexistente; a bate-bocas tolos, mas vistosos, que as redes sociais logo tratam de potencializar; a viradas de mesa delirantes, que não mudam nada em sua vida, por mais que eles afirmem o contrário.

Outro tema relevante é a estilização demasiada. Muitos escritores, ansiosos por parecerem inovadores ou profundos, acabam sacrificando a clareza e, por vezes, até a essência de um texto. O preciosismo torna-se um fim em si mesmo, e não um meio de expressão. Isso resulta em histórias que impressionam superficialmente, mas que carecem de autenticidade. Nota-se tal fenômeno em livros que se esforçam para demonstrar erudição, dotados de referências excessivas e intertextualidades forçadas, tudo para que não restem dúvidas para quem lê quanto à cultura do literato — e aqui o termo cai como uma luva. Em vez de convidar o leitor a uma experiência compartilhada, o literato isola-se, coloca-se num pedestal e olha de cima para quem ousa desvendá-lo. A vaidade então mina o prazer, uma vez que só a excelência importa. Muitos dos grandes nomes da literatura eram vaidosos — e o sabiam. Oscar Wilde (1854-1900), por exemplo, construiu uma obra marcada por ironia, estilística impecável e crítica à sociedade de seu tempo, mas também por um desejo claro de impressionar e ser aceito. O gabo wildeano era uma faca de dois gumes, cortando a si e aos outros ao passo que esculpia beleza na pedra bruta do tempo.

A questão não é, portanto, se a vaidade interfere na obra de um artista, mas de que modo ela interfere. Todo escritor — como todo ser humano — tem em si uma dose de soberbia. Escrever é um ofício bastante solitário, egocêntrico nas mais diversas maneiras, às vezes cruel por exigir tanto e dar tão pouco em troca, e que, paradoxo dos paradoxos, só resiste se tocar o outro. Os oito escritores desta lista padecem de uma afetação em múltiplas formas, às vezes nem devido ao que intentam comunicar, mas pelas ideias que acabam por aflorar da interpretação do que quiseram dizer. Um dos textos políticos mais influentes da história moderna, “O Manifesto do Partido Comunista” (1848), de Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895), é decerto um dos melhores exemplos de como a presunção, aqui por parte de cientistas sociais e economistas, orquestra uma devastação sobre um propósito nobre, a despeito da cor ideológica que se venha a preferir. É consenso que muito do que poderia haver de genuíno e revolucionário no velho “Manifesto” fenece pela análise enviesada e pelo proselitismo barato, embora Marx e Engels nunca tenham ficado obsoletos. Se eles não desvaneceram, porque autênticos e cada vez mais elementares, coisas feito “O Futuro da Humanidade: A Saga de Marco Polo” (2005), do psiquiatra paulista Augusto Cury, sabem a ranço.

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.