Mesmo os heróis têm suas dores, e talvez essa seja a sua grande qualidade. Vencer tragédias pessoais é, em muitos casos, mais uma questão de pragmatismo que de vontade, propriamente. Há que se passar por cima daqueles sentimentos tão destrutivos quanto resistentes que barram os próximos passos que poderíamos dar, que temos de dar para que a vida recupere sua dimensão nobre, decisão de fato complexa, mas transformadora. Uma vez que se opta por virar-se a página, com tudo quanto pode existir de árduo nisso, abre-se espaço para que sucedam experiências quiçá nem tão ditosas, mas com outra carga de drama, outras cores, ao menos para os que se contentam em ser simples mortais.
Heróis, entretanto, obedecem a outra lógica, até (ou principalmente) nisso: essa é apenas uma das impressões a se tirar de “Bala Perdida 3”, a última sequência de thrillers do francês Guillaume Pierret e continuação de uma história de busca por reparação e muito rancor. Pierret recorre a flashbacks dos dois longas anteriores, também dirigidos por ele, para situar o público no enredo, que continua a seguir a lógica de contrapor bem e mal, enquanto vão surgindo outros elementos que conferem um verniz noir à história, bem ao gosto da tradição francesa. Mas nem tudo sai comme il faut.
Nas sequências de abertura do primeiro filme, Lino, um criminoso especializado em construir e equipar veículos para roubos multimilionários, planeja o assalto a uma joalheria usando o Renault Clio não na fuga, mas como a principal ferramenta da empreitada, mas, conforme se pode ver na sequência, um erro de cálculo o faz cair direto nos braços da polícia. Muito melhor mecânico que ladrão, o personagem de Alban Lenoir é favorecido com um acordo especial, que permite-lhe abater um dia de cárcere por outros tantos de expediente na oficina de uma das unidades da gendarmaria, espécie de Polícia Federal da França.
A certa altura da trama, o espectador passa a saber que entre Lino e Charas, o chefe da seção vivido por Ramzy Bedia, nascera uma amizade, interrompida quando o policial é morto diante de Lino por Areski, de Nicolas Duvauchelle, que serve na mesma divisão em que Charas fez carreira, que acaba responsabilizado pelo crime. Pierret e o corroteirista Caryl Ferey voltam a esses lances iniciais para recomeçar em “Bala Perdida 3” a violência progressiva e o caos que definem a jornada de Lino no decorrer dos dois filmes que o precederam, sem, no entanto, atingir o mesmo bom resultado. Lino agora tem de lutar por sua vida, assim como Areski, que voltam à cena em condições parecidas, ou seja, obrigados a fugir da polícia e da máfia, e a eles ainda junta-se Álvaro, outro policial corrupto, vivido por Diego Martin.
No desfecho melancólico da franquia, o antirromance entre Lino e Julia, continua sendo o pulo do gato aqui, embora saltem aos olhos as perseguições por parques e áreas públicas francesas — tornadas mais avassaladoras com a ajuda da computação gráfica —, depois que “Bala Perdida 3” passa por Alemanha e Espanha. Lenoir e Stéfi Celma levam o filme nas costas, fardo que partilham com Duvauchelle entre um e outro encontrão.
★★★★★★★★★★