Para envelhecer sem morrer aos poucos

Para envelhecer sem morrer aos poucos

Outro dia antendi um senhor diabético que é meu paciente há dois anos. Se tiver alguém que é a cara da esperança, é este senhor. Entra na sala com dificuldade, encurvado e apoiado em sua bengala, anda lentamente por causa da sequela do derrame cerebral, vira na minha direção quando o chamo, já que não enxerga há alguns anos, e sorri para mim o sorriso da sua felicidade.

Meu coração é uma selva com animais inquietos

Meu coração é uma selva com animais inquietos

Abelhas diabéticas refugam flores. Andorinhas solitárias unem-se para fazer ao menos um verão. Prolifera a cada dia a revoada crepuscular dos joões-de-barro em prol de casas próprias nos galhos das paineiras. Por causa do atropelamento de coirmãos nas rodovias, tamanduás-bandeiras remanescentes balançam as caudas tristes a meio mastro. Formigas cabeçudas drogam-se com DDT e saem cantarolando pela Abbey Road: “Todos vivemos num sítio do pica-pau amarelo, sítio do pica-pau amarelo, sítio do pica-pau amarelo…”.

Antes só do que amado pela metade. Sozinhos somos inteiros

Antes só do que amado pela metade. Sozinhos somos inteiros

Você não queria, mas disse adeus. Não havia nada mais que fizesse aquele amor ficar. Restaram somente você e os sonhos que um dia foram de duas pessoas. No vazio do quarto silencioso, sua vontade de se levantar ficava escondida no canto mais frio debaixo da cama. Estava tudo fora do lugar. Móveis, objetos e pensamentos se perderam na bagunça da despedida, na partilha para decidir quem fica com o quê. Murcharam-se as flores do canteiro da janela e você se esqueceu por que precisava sair de casa para viver.

Viva de acordo com as suas escolhas e não com as dos outros

Viva de acordo com as suas escolhas e não com as dos outros

Era uma vez uma menina que tinha tudo para ser feliz. E ela foi. Até que um dia percebeu que aquela felicidade toda não a pertencia, que era o contentamento de outras pessoas projetado nela, assim como as expectativas e os desejos alheios que nela refletiam, mas que não brotavam do seu interior. Então, numa noite de inverno ela partiu com uma mala e poucos pertences. Levava consigo o que tinha de mais valioso: o seu coração, uns trocados de paz e um sonho de liberdade. Arrastou a bagagem junto com a responsabilidade pela desventura que causaria aos seus dominadores, e ao mesmo tempo, com a leveza de quem, por fim, encontrava o seu próprio caminho.

Complicar a vida é a arte mais fácil de todas

Complicar a vida é a arte mais fácil de todas

Seis da tarde. Na Hora do Ângelus, o trânsito no bairro nobre é um inferno. Pais e mães entopem as ruas, estacionados em filas duplas, à espera de seus filhos nas portas de escola. Executivos aceleram carrões rumo ao bar vaidoso para a happy hour onde encontrarão outros executivos que ali também chegaram sozinhos, pilotando cada um a sua máquina. Manadas de ônibus coletivos levando e trazendo trabalhadores cansados, vendedores de doces, desempregados famintos, estudantes otimistas e almas entregues avançam nervosos sobre os motoqueiros que costuram o espaço entre os carros. O sol se foi mas o asfalto queima, os nervos fervem.