Autor: Eberth Vêncio

Se tudo der certo, em cinco anos estarei louco

Se tudo der certo, em cinco anos estarei louco

Tenho cinquenta anos mal vividos. Penso que vou morrer de bala. A bela da tarde aparece nos meus sonhos quase todas as noite, mas some, nem bem amanhece o dia, a deixar aquele cheirinho de sêmen no lençol da cama. Nem venham! Tem tempo que não sofro de poluções noturnas ao sonhar em ficar rico. Um pobre diabo voltou para o inferno ao saber que não, eu não cria mais em almas e testes-cegos com sabão em pó. Só não vê quem não quer: não há nada de novo no front. Se tudo der certo, em cinco anos estarei louco.

Para ser feliz mesmo quando ninguém estiver olhando

Para ser feliz mesmo quando ninguém estiver olhando

Matarás. Sim, matarás. É óbvio que não sou deus pra ficar mandando em toda a gente — mamãe, contudo, julga-me um santo — mesmo assim, afirmo que matarás a inveja, aquele desejo tolo e inviável de seres quem tu não és. Roubarás corações sob pena de ganhares mil anos de perdão. E mais: cometerás perjúrio, de cara lavada, ao declarar que quem começou a amar primeiro foi o outro, quando, na verdade, foste tu o arpoado desde o princípio pelos cupidos, sem o mister das anestesias.

Aos que voam só em pensar

Aos que voam só em pensar

Aos sequestrados. Aos frustrados. Aos que estão presos injustamente. Aos que estão sendo torturados, enquanto fatiamos o panettone à mesa. Aos que choram, mas a mãe não escuta. Às prostitutas, sejam elas de vida fácil ou difícil. Aos que planejam saltar de um edifício na virada do ano. Aos falidos. Aos que quebraram a cara. Aos que quebraram uma empresa porque ousaram voar. Aos cadeirantes. Aos amantes que foram pegos em flagrante.

Nada de novo nos asilos, a não ser o fragrante olor dos corações-sangrentos

Nada de novo nos asilos, a não ser o fragrante olor dos corações-sangrentos

Enquanto esvaziava um coletor de lágrimas lotado até o gargalo, uma enfermeira piscou para a outra. Não. Infelizmente, elas não eram lésbicas. Eu também me amarro em fantasias eróticas envolvendo mulheres metidas em aventaizinhos brancos, mas, ali, definitivamente, não era o caso. Enfermeiras são criaturas danadas, abnegadas. Tenho por elas o maior respeito, principalmente quando vêm armadas com sondas, dragas e seringas. Supõe-se que o céu esteja infestado delas, mais do que crianças mortas de diarreia e fome. Pois, então: era como se as duas jogassem carteado. Aquela equipe entendia-se como só. Chamo isso não de transa, mas, entrosamento.

Essa mania de vivermos felizes para sempre

Essa mania de vivermos felizes para sempre

Por que dizer a verdade, somente a verdade, nada mais que a verdade, se você pode mentir, somente mentir, nada mais que mentir, e me fazer feliz? Por que você quis sair com aquele sujeito? Por que a água acaba, o gás acaba, o amor acaba, mas o ódio continua firme e forte? Por que perpetuar a espécie num planeta tão caótico? Por que gozar na boca da noite? Por que exigir que alguém engula a porra dessa história toda?