Autor: André J. Gomes

Ganhar a vida é aprender a perder

Ganhar a vida é aprender a perder

Desde seus primeiros brinquedos desaparecidos na terra do quintal e as figurinhas engolidas pelos vãos do sofá, ele relembra suas perdas da vida inteira. Pensa em cada lugar esquecido, revisita planos abandonados, acena para amores passados, desculpa-se com amigos preteridos. E outra vez se dá conta de que, muito mais do que seus ganhos poucos, um homem se constrói a partir de suas tantas perdas.

A chuva que varre os velhos ódios e a vida que brota em cada um de nós

A chuva que varre os velhos ódios e a vida que brota em cada um de nós

E no fim do trigésimo terceiro dia de calor desumano, uma chuva impetuosa varreu as ruas e as praças e os telhados das casas na terra abatida pela seca, a burrice e a falta de amor. Lá de cima, um batalhão de nuvens robustas disparava toneladas de água fria sobre a vida inflamada aqui embaixo, levantando do solo outras nuvens grossas de vapor e alívio em franca liberdade de volta ao céu.

E de tanto sermos diferentes, no fim somos todos iguais

E de tanto sermos diferentes, no fim somos todos iguais

Paulo é um adolescente descobrindo a vida e o valor da amizade. Na companhia de seus amigos, deixou de ser um menino inseguro e cabisbaixo. Sai em grupo à noite com a turma e nunca mais levou um desaforo para casa. Ele conta cheio de emoção no colégio sobre o dia em que socou a cara de outro menino até derrubá-lo e pisar na cara dele contra a calçada. E está pensando se conta a seu pai que saiu com os outros meninos de carro à noite para atirar ovos nas prostitutas. O Facebook de Paulo tem 1.994 amigos, e ele acaba de confirmar presença em um protesto contra a violência.

A saudade mais honesta é a do que nunca existiu de verdade

A saudade mais honesta é a do que nunca existiu de verdade

Acontece com todo mundo. Você está lá, como toda gente se equilibrando entre sua pequena multidão de afazeres, levada pelo fluxo impiedoso de seus eventos diários, na correnteza involuntária de um dia depois do outro, e sobre sua testa chuvisca um sentimento inesperado. Sem susto, você o reconhece de pronto. Ele é um velho e íntimo sentimento familiar. É a saudade do que você nunca viveu.

Das coisas que deixamos para trás e a vida que vem pela frente

Das coisas que deixamos para trás e a vida que vem pela frente

Na sala de sua casa agora há só as quatro paredes brancas, lisas, sem os quadros e o espelho e os poucos móveis que ali moravam. Ele olha num canto e não enxerga o velho sofá branco que seu filho amava transformar em cama para encher de farelo de salgadinho. O sofá branco e barulhento que abriu os braços a tanta gente amada. E que teve como último hóspede um velho amigo que o visitara de madrugada, eles se sentaram ali e beberam a cerveja fresca e a saudade morna de tempos vencidos.