As complexidades que circundavam John Edgar Hoover (1895–1972) vão além dos segredos que ele guardava em seu armário metafórico. Líder do Bureau de Investigação de 1924 a 1972, Hoover transformou a instituição em uma máquina poderosa e influente ao assegurar, em 1935, que passasse a integrar oficialmente o aparato governamental dos Estados Unidos. A trajetória do FBI, hoje símbolo de orgulho nacional, está intrinsecamente ligada à figura de Hoover, cuja liderança foi marcada por um misto de genialidade, excentricidade e polêmicas. Clint Eastwood explora esse legado em “J. Edgar”, apresentando uma biografia que mescla reverência e revelações impactantes. A narrativa ilumina as camadas de um homem que se fez por conta própria, enfrentou oito administrações presidenciais e acumulou admiradores e inimigos em igual medida.
Com Dustin Lance Black no roteiro — reconhecido pelo Oscar de Melhor Roteiro Original por “Milk: A Voz da Igualdade” (2008) — o filme explora nuances complexas de Hoover, sem se limitar a interpretações unidimensionais. Embora o protagonista jamais tenha demonstrado alinhamento com pautas LGBTQIA+, o roteiro não ignora os dilemas internos e as contradições de um homem que reprimiu publicamente aquilo que, privadamente, o definia. O longa revisita sua trajetória desde a infância, quando desenvolveu uma ligação quase obsessiva com a mãe, Anna Marie Scheitlin, interpretada por Judi Dench com um rigor impressionante. Essa relação materna foi determinante para a construção da personalidade de Hoover, moldando sua ambição desmedida e sua crença inabalável no controle absoluto.
O filme também lança luz sobre eventos marcantes da história americana, como o famoso caso Lindbergh e a captura de John Dillinger, entre outras operações que solidificaram o prestígio do FBI. Na vida pessoal, aborda com sensibilidade o vínculo com Clyde Tolson, subordinado e provável amante, sem recorrer a simplificações ou sensacionalismos. Esse relacionamento, somado à lealdade inabalável de Helen Gandy, secretária que esteve ao seu lado durante décadas, forma um triângulo humano que sustenta a narrativa emocional do filme. Com performances impecáveis de Leonardo DiCaprio, Armie Hammer e Naomi Watts, o longa combina profundidade dramática com excelência técnica, em especial no uso de efeitos visuais que envelhecem os personagens sem comprometer a credibilidade.
No centro dessa obra, reside a luta interna de Hoover: um homem cuja vida foi definida por um desejo insaciável de controle e um amor que ele jamais pôde admitir abertamente. Eastwood entrega um retrato poético e, por vezes, melancólico, onde as contradições de Hoover refletem as tensões de uma época e os paradoxos da condição humana.
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