Aclamado pela crítica, o faroeste mais intenso e visceral do cinema nos últimos anos acaba de estrear no Prime Video Divulgação / Cuvision

Aclamado pela crítica, o faroeste mais intenso e visceral do cinema nos últimos anos acaba de estrear no Prime Video

Em que medida o lugar onde se vive é capaz de moldar o caráter, o espírito, as defesas e os medos de alguém? É essa a pergunta que “O Vento”, um western de terror assumidamente maneirista, tenta responder, fixando-se em personagens que parecem habitar pesadelos os mais estranhos, marcados negativamente por experiências religiosas de gosto duvidoso. O filme de Emma Tammi, sobre um casal isolado em algum rincão da América profunda durante o século 19, aos poucos se desprende dos rótulos, tornando-se uma história acerca da força ambivalente da solidão, que pode tanto prestar-se a um inigualável meio para o autoconhecimento como espalhar ainda mais aridez sobre na vida de gente pobre e desassistida, impressionável com os discursos certeiros de falsos profetas. A fotografia de Lyn Moncrief leva o texto de Teresa Sutherland para um conto de isolamento e desesperança, sensação que perdura e recrudesce ao longo dos 87 minutos, enxutos e precisos, do filme.

Lizzy Macklin vive com o marido, Isaac, num casebre confortável, mas sem graça numa pradaria qualquer do Velho Oeste, cercados de gramíneas altas e arbustos retorcidos, ansiando pelo milagre que lhes irá fazer mudar de vida. É difícil sentir alguma empatia por esses dois: eles parecem congelados, entre a resignação e a covardia, atribuindo a Deus ou ao diabo seu penar, o que vai inspirando no espectador uma desconfiança e uma ojeriza a depender do grau de bestialidade de que se investem, o que não deixa de ser uma arma poderosa. Essa primeira ideia anódina de Lizzy e Isaac começa a mudar na cena em que enterram uma mulher cujo cadáver apresenta um rombo na cabeça. 

Pouco depois, Isaac traz o bebê da tal mulher, embrulhado em renda branca, e a partir de então “O Vento” passa a uma espécie de investigação parapsicológica das possíveis razões de uma e outro terem cometido o duplo homicídio, com bastante margem para especulações sobre a verdadeira identidade da finada. Caitlin Gerard e Ashley Zukerman seguram boa parte do filme até aqui, e no momento em que a diretora resolve explorar franjas menos óbvias do horror, entram em cena Emma e Gideon Harper, de Julia Goldani Telles e Dylan McTee, um par de moradores um pouco menos soturnos, mas igualmente excêntricos. 

A dúvida quanto à doença mental de Lizzy fica por muito tempo, e com ela o questionamento do público no que toca à natureza dos fenômenos sobrenaturais que assolam-na. Os muitos sustos construídos por Tammi e Sutherland em avanços e retrocessos na narrativa reforçam o tom de inadequação da protagonista, atormentada por seus próprios demônios. No fundo, ela devia querer que seu inferno fosse tão vasto quanto pensava.


Filme: O Vento
Direção: Emma Tammi 
Ano: 2018
Gêneros: Terror/Drama/Western 
Nota: 8/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.