Eu sou um animal. Eu sou um animal, graças a Deus. Graças a uma trepada meia-boca entre papai e mamãe numa cama que balançava e que r por causa de parafusos frouxos. Posso ter parafusos a menos na cabeça, mas, ao menos, estão bem arrochados. Ou não. Há controvérsias entre anjos e demônios. Não posso garantir. Nada é perfeito. Ninguém é perfeito. Aliás, eu prefiro a companhia dos defeitos dos seres imperfeitos que erram ao tentar acertar. Prefiro também ficar por cima, se é que me entendem. Isso não tem nada a ver com empáfia ou com dominação. Questão de cautela. Gosto de ter a situação sob controle. Sustento bem o gozo, apesar de sofrer de arrependimentos precoces. Além do mais, é preferível quebrar um dente a quebrar o próprio pênis. Sim. Eu também não sabia que os pênis quebravam, até saber da história secreta de um cantor muito famoso que fraturou o falo durante um galope numa conjunção carnal com uma fã meio aloprada. Conjunção carnal. Esse termo é gozado, a despeito do trocadilho infame. Apesar de escolada em adultério, a celebridade sertanejo-universitária não chegou a gozar. O sujeito foi levado às pressas para um pronto-socorro urológico, padecendo de dores lancinantes e do pavor de ter sido pego com as calças nas mãos, literalmente. Logicamente, prevaleceu uma versão mais palatável, aprovada às pressas entre os médicos e os assessores, de que o diagnóstico ideal para o doloroso incidente durante o intercurso seria uma pedra no rim. A moça? Deram uma gorja à beldade e ela se escafedeu. “No meio do rim tinha uma pedra”, descreveu o impoluto urologista no prontuário médico, parodiando o poeta Carlos Drummond de Andrade. Tenho uma obsessão ferrenha — ou seria ferruginosa? — por Drummond. Deve ser pelo fato de “No meio do caminho” ser o único poema que eu fui capaz de decorar nos meus remotos tempos de escola. Apesar da juventude, desde aquela época, a minha memória não era lá essas coisas. Hoje, anda um pouquinho pior. Tá uma verdadeira merda, para ser sincero, não posso mentir, eu já me cansei de mentir. Além da grosseria com as palavras, a sinceridade é o meu forte. Ao menos, para desfazer amizades. Penso muito antes de tomar uma decisão. Qualquer tipo de decisão. Velho demais para seguir impulsos. Os impulsos que me sigam. Ou sucumbam no nascedouro, sem saber aonde é que iam dar. Uma das raras vantagens da maturidade é o senso de ponderação. Não deixa de ser uma canseira. Aquela coisa de pensar, pensar, pensar bastante antes de fazer uma merda. Nem sempre funciona, sabem como é. O que não deixa de ser broxante para um veterano como eu. Ouvir a voz do coração ou da razão? Como vovó já dizia, nenhuma decisão é simples de ser tomada e “Onde estão as minhas pílulas, meu filho?”. Vovó era viciada em Rivotril. Não a culpo por se dopar. A vida é um filme de baixo orçamento, com um roteiro ruim. Frases de efeito não importam. Não foi disso que vovó morreu: fugir da realidade. Foi um pênis. Ou melhor, foi um fêmur. Um fêmur quebrado por causa de uma decisão precipitada, impensada. Sofreu uma queda da própria altura ao agir por impulso. Como eu gostaria de fazer, apesar da minha natureza covarde, só para variar. Como se eu voltasse a ser aquele jovem intrépido e, o coração, uma voz renitente a tagarelar nos meus ouvidos: Vai com tudo, garoto! Já deu para perceber que não sou um homem confiável. Não dá para tergiversar. Não se deixem enganar por mim. É a razão quem pondera: escute o seu coração, mas, não acredite em tudo que ele disser.