O colapso iminente vem do alto, e “Não Olhe para Cima”, de Adam McKay, capta, de maneira inquietante, os temores mais profundos da humanidade — e, para alguns, uma bizarra sensação de alívio. Conhecido por sua visão crítica e cínica da sociedade, McKay lança luz sobre o que pode ser a nossa sentença final: a morte à espreita.
Lançado em 2021, o filme surgiu após um longo período de isolamento social imposto pela pandemia, que, além de causar sofrimento emocional, ceifou milhões de vidas. Nesse cenário desolador, McKay explora de forma ácida e bem-humorada temas contemporâneos, como a ascensão das redes sociais como palco de hostilidade e distorção de valores, o avanço incontrolável da tecnologia, as alterações climáticas, e a futilidade dos que acreditam na própria celebridade.
Tudo isso é tratado com uma estrutura meticulosamente caótica, onde os assuntos se entrelaçam, criando um mosaico deliberadamente confuso, mas eficaz. “Não Olhe para Cima” não concede ao espectador um segundo de alívio, mantendo-o firmemente preso à narrativa e demonstrando, com precisão, o que realmente merece a atenção.
A trama segue os passos de um filme-catástrofe típico: um cometa está a caminho da Terra, com uma previsão de impacto devastador em pouco mais de seis meses. O cometa foi detectado pelo astrônomo Randall Mindy, da Universidade de Michigan, com a ajuda de sua assistente, Kate Dibiasky. Ambos são convocados para uma reunião urgente na Casa Branca, onde deverão explicar a gravidade da situação à presidente dos Estados Unidos, Janie Orlean, interpretada brilhantemente por Meryl Streep.
Os personagens de Leonardo DiCaprio e Jennifer Lawrence entram em cena com uma confiança desesperada, acreditando que Orlean entenderá a gravidade do momento e tomará medidas para mitigar os danos — como se fosse possível. Contudo, o ambiente em que se encontram parece antecipar o fim dos tempos, com Orlean adiando por horas a reunião crucial enquanto se envolve em discussões sobre um candidato polêmico indicado para a Suprema Corte. A desconexão total entre a urgência do cometa e as preocupações triviais da política se desenha como uma crítica afiada, uma paródia amarga da realidade.
A partir daí, a sátira política se intensifica, com a Casa Branca afundando cada vez mais numa espiral absurda de farsas e manipulações políticas. Orlean está muito mais preocupada com as próximas eleições legislativas do que com a ameaça iminente do cometa. Sua prioridade é garantir sua permanência no poder, pouco importando o que o cometa possa trazer.
McKay cutuca o público ao sugerir que, no fundo, o comportamento humano é mais parecido com o de Janie Orlean do que com o de Randall Mindy. A humanidade se mostra mais focada em escândalos políticos do que em possíveis catástrofes planetárias, como se a sobrevivência política fosse mais importante que a própria sobrevivência da espécie.
Mindy e Dibiasky, retratados como arautos do apocalipse, lutam para serem ouvidos. No entanto, sua missão esbarra na superficialidade dos meios de comunicação, onde jornalistas transformam tudo em espetáculo. Em “Não Olhe para Cima”, essa crítica é encarnada pelos âncoras Jack Bremmer e Brie Evantee, que trazem à narrativa uma deliciosa dose de insanidade.
A entrevista que os cientistas concedem aos personagens de Tyler Perry e Cate Blanchett é um dos momentos mais memoráveis do filme, destacando o conflito entre ciência e entretenimento, a negação da realidade e o desprezo pelo conhecimento. A reação explosiva de Dibiasky, que declara em rede nacional que todos estão condenados, representa o ápice de sua frustração, tornando-se o símbolo de uma sociedade que prefere a ignorância confortável à aceitação do inevitável.
A obra de McKay é um mergulho profundo numa distopia que, infelizmente, parece familiar. Ao longo do filme, o espectador é forçado a confrontar a realidade de um mundo que se recusa a encarar a verdade, preferindo as ilusões de poder e status. No desfecho, a computação gráfica impressionante adiciona um toque final sombrio e irônico.
A vingança das criaturas aparentemente dóceis, mas letalmente traiçoeiras, contra os políticos que as subestimaram é uma metáfora poderosa para a própria farsa que McKay constrói. O filme não oferece soluções fáceis, pois, como o cinema muitas vezes demonstra, a função da arte não é necessariamente confortar, mas provocar. E “Não Olhe para Cima” cumpre essa função com maestria, lembrando-nos que, às vezes, o mais importante não é olhar para cima — ou para baixo —, mas encarar a realidade, por mais dura que seja.
Filme: Não Olhe Para Cima
Direção: Adam McKay
Ano: 2021
Gênero: Comédia/Drama/Ficção Científica
Nota: 8/10