“Resgate 2” não se limita a replicar a fórmula dos super-heróis tradicionais; ele vai além, trazendo uma complexidade que rivaliza com as melhores narrativas do gênero. Sob a direção de Sam Hargrave, os personagens do filme desempenham papéis que, à primeira vista, podem parecer estereotipados, mas logo se revelam muito mais profundos. O conflito central, aguardado com ansiedade pelos espectadores, surge de maneira tão intensa que parece impossível de ser resolvido.
É nesse momento que o herói aparece, dotado de habilidades únicas e insubstituíveis, uma presença quase inevitável que, embora essencial, pode beirar o excessivo. O roteiro, escrito por Joe Russo, famoso por sua parceria com o irmão Anthony na direção de “Vingadores: Ultimato” (2019), sugere uma reflexão crítica sobre a função dos heróis salvadores que habitam as tramas cinematográficas.
O protagonista, Tyler Rake, interpretado por Chris Hemsworth, é um homem marcado por batalhas passadas, tentando, de forma solitária, permanecer relevante em um mundo que já não lhe oferece glórias. Esses momentos de introspecção, breves, mas significativos, revelam um personagem que é obrigado a renunciar a vaidades banais para simplesmente sobreviver.
Ao contrário do primeiro filme da franquia, lançado em 2020, onde Rake buscava uma autoafirmação de maneira mais direta, agora ele se ergue com maior dificuldade, lutando para aceitar uma nova e mais desafiadora missão. O público, por sua vez, é deixado em um estado de incerteza: será que ele realmente é capaz de superar os obstáculos ou está apenas superestimando suas capacidades?
A atuação de Golshifteh Farahani como Nik Khan é iluminada de maneira impressionante pela fotografia de Greg Baldi, que usa uma luz dourada envelhecida para destacar sua expressão de temor. Enquanto os créditos iniciais se desenrolam, flashbacks dispersos, escritos por Russo e habilmente dirigidos por Hargrave, lembram ao espectador a moral instável do protagonista.
Essas reminiscências trazem à tona a dúvida sobre a integridade de Rake, como se confiar nele fosse um risco considerável, com potencial para consequências desastrosas. A aura de mistério que o envolve, junto com sua natureza dúbia, o distancia dos arquétipos violentos e previsíveis que dominam filmes de ação.
Nesta narrativa, quem realmente precisa de resgate é o próprio Tyler Rake. Acompanhado de perto por Nik, enquanto os médicos lutam para salvar sua vida, o personagem, embora preso em um coma aparentemente interminável, é aquele em quem todos depositam esperanças. O público sabe que ele inevitavelmente despertará e voltará a tempo de cumprir sua missão.
“Resgate 2” adquire uma dimensão épica à medida que a trama se expande para diferentes partes do mundo, começando por Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. Essa expansão geográfica reforça a imagem de Rake como um super-homem nietzschiano, incansável em seu desejo de se superar.
O ritmo da história intensifica-se ao se aproximar do clímax, onde Rake e Nik encontram-se a bordo de um trem desgovernado, uma metáfora visual para a implacável ação que se desenrola. Os capangas de Ovi Mahajan, o chefe do crime de Mumbai, interpretado por Pankaj Tripathi, são informados de que Rake está de volta ao jogo, retomando sua posição de guerrilheiro de aluguel. Hargrave reativa a memória do público com diálogos que relembram a desastrosa operação de resgate do filho de Mahajan, Ovi Jr., vivido por Rudhraksh Jaiswal. Agora, Rake e Nik, que outrora gerenciava os negócios do gângster, enfrentam não apenas o inimigo, mas também a fraternidade indestrutível da máfia indiana, lutando não por riqueza, mas pela sobrevivência.
O filme, que à primeira vista pode parecer apenas mais uma história de ação repleta de clichês, é na verdade uma obra elaborada que utiliza esses clichês para construir algo maior. Hargrave posiciona seus protagonistas em prisões austríacas como Schwarzau e Graz-Karlau, nos arredores de Linz, onde eles encaram a possibilidade de uma felicidade compartilhada, sugerida pelo enigmático vilão de Idris Elba. No entanto, essa felicidade permanece uma promessa distante, cujo desfecho só será conhecido quando a caçada continuar em um possível terceiro filme.
Filme: Resgate 2
Direção: Sam Hargrave
Ano: 2023
Gêneros: Ação/Thriller
Nota: 8/10