Vale cada segundo: um dos filmes mais belos da história da Netflix (10/10 e você possivelmente não assistiu) Divulgação / Netflix

Vale cada segundo: um dos filmes mais belos da história da Netflix (10/10 e você possivelmente não assistiu)

Ninguém está imune a ser aprisionado pelas próprias lembranças, especialmente quando o que resta é apenas uma felicidade que se desvaneceu. Durante a vida, corremos o risco de nos tornarmos arqueólogos de nossa própria existência, vasculhando minúcias na esperança de reviver tempos bons que já se foram.

Alejandro González Iñárritu demonstra um compromisso contínuo em desafiar as hipocrisias que sustentam o mundo moderno. Em “Bardo, Falsa Crônica de Algumas Verdades”, ele incorpora muitas das ansiedades não apenas da humanidade, mas também das Américas, da história do continente, da glória e do caos de ser artista em uma era marcada por múltiplas formas de violência, mensagens condenatórias e palavras destrutivas.

Conhecido em Hollywood como “El Negro”, Iñárritu já acumula cinco Oscars e, com sua mais recente produção — repleta da originalidade e das idiossincrasias que costumam cativar a Academia — parece destinado a aumentar sua coleção de estatuetas. Em seu 13º filme, o diretor se inclina a expor ainda mais sua inquietação diante da ignorância prevalente em nosso tempo, uma ignorância que se espalha pelos campos mais diversos e urgentes.

Combinando o lirismo sombrio de “Biutiful” (2010) com as reflexões sobre a precariedade da arte nas sociedades contemporâneas, como em “Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)” (2014), e sem abandonar as experimentações características de “O Regresso” (2015), Iñárritu não hesita em explorar as feridas nunca cicatrizadas dos Estados Unidos. Grande parte dos 160 minutos de projeção está repleta de metáforas sobre o que significa ser chicano além do Rio Grande, mas este é também um relato pessoal. O diretor destrói qualquer ilusão sobre a possibilidade de se refugiar em memórias mágicas e, posteriormente, retornar como se nada tivesse mudado.

Silverio Gacho, o bardo do título, serve como um alter ego bem delineado de El Negro — que adotou o apelido como uma forma de autoafirmação. Apesar da presença de diversos personagens no roteiro, escrito por Iñárritu e Nicolás Giacobone, Silverio, interpretado de forma impecável por Daniel Giménez Cacho, encapsula tudo o que se precisa saber sobre El Negro, sua vida, seu cinema, e as penas, desumanas ou não, que ele deve expiar. É uma obra sobre o mundo e sua feiura indescritível, ultrajante, sem sentido e, ainda assim, instrutiva. Uma narrativa que estagna e renova, oferecendo coragem, num movimento dialético que justifica a própria existência de cada um, poeta ou não.


Filme: Bardo, Falsa Crônica de Algumas Verdades
Direção: Alejandro González Iñárritu
Ano: 2022
Gêneros: Drama
Nota: 9/10