Ganhador do Bafta e indicado a 86 prêmios, faroeste com Idris Elba está na Netflix David Lee / Netflix

Ganhador do Bafta e indicado a 86 prêmios, faroeste com Idris Elba está na Netflix

Personagens movidos pelo desejo de vingança, que se lançam em uma jornada para restaurar a harmonia destruída de suas vidas por um crime hediondo, são um tema recorrente e poderoso no cinema. Esta premissa se destaca em filmes como “O Regresso” (2015), dirigido pelo mexicano Alejandro González Iñárritu, que se tornou um dos exemplos mais notáveis do gênero, apresentando um protagonista inabalável em sua busca por justiça, mesmo enfrentando ultrajes extremos.

Em “Vingança & Castigo”, embora o protagonista também busque reparação, ele está longe de ser um herói tradicional. Este filme marca a estreia de Jeymes Samuel na direção de longas-metragens, após seu curta “They Die by Dawn” (2013). Embora a narrativa não traga inovações radicais para o gênero, Samuel se destaca ao conduzir seu elenco afinado em um épico de faroeste surpreendente e original para 2021.

Jonathan Majors é um dos pilares do sucesso do filme. Interpretando Nat Love, líder de um bando que testemunhou o assassinato brutal de seus pais por Rufus Buck (interpretado magistralmente por Idris Elba), Majors revela um talento que até então havia passado despercebido por muitos. Seu Nat Love, embora um anti-herói aterrorizante, também é cativante, especialmente nas cenas com Zazie Beetz como a sensual Stagecoach Mary, um antigo amor de Nat. A química entre eles adiciona profundidade ao enredo, que se intensifica com a inesperada libertação de Buck, anteriormente condenado à prisão perpétua.

Nat Love, que tentava levar uma vida tranquila, é forçado a abraçar seu lado sombrio para buscar justiça, contando com a ajuda de aliados poderosos. No entanto, seus adversários são igualmente determinados, criando um confronto de forças equivalente. A dualidade de Nat Love, oscilando entre virtude e vilania, presta uma homenagem velada a personagens como os de Clint Eastwood, especialmente na trilogia de Sergio Leone. O Homem sem Nome de Eastwood, com sua moral ambígua, encontra um paralelo em Nat Love, que combina heroísmo e brutalidade para alcançar seus objetivos. No entanto, a história de Love também incorpora uma camada racial significativa, destacada pelo elenco majoritariamente negro e a exploração consciente do diretor sobre as dinâmicas de raça e poder.

“Vingança & Castigo” transcende o simples entretenimento, apresentando uma crítica sutil à sociedade contemporânea e suas raízes históricas. A trama se passa no contexto pós-aprovação da 13ª Emenda dos EUA, em 1865, abordando temas de escravidão e preconceito que ainda ressoam hoje. Jeymes Samuel não busca uma revisão histórica detalhada, mas seu trabalho alinha-se com obras como “13ª Emenda” (2016) de Ava DuVernay e “Uma Noite em Miami” (2020) de Regina King, que exploram profundamente as questões raciais.

O filme inevitavelmente convida comparações com “Django Livre” (2012) de Quentin Tarantino, que também mistura elementos de faroeste com uma narrativa de vingança racial. Enquanto Tarantino usa o exagero e o pastiche para explorar a vingança de um ex-escravo contra senhores brancos, Samuel apresenta uma visão mais direta e consciente da complexidade racial, onde personagens negros podem ser heróis ou vilões, desafiando estereótipos e simplificações.

Ao aludir ao clássico “Crime e Castigo” (1866) de Dostoiévski, “Vingança & Castigo”  também explora temas de moralidade e redenção através do sofrimento. Tanto Rodion Raskolnikov quanto Nat Love personificam anti-heróis em busca de uma justiça pessoal, refletindo o niilismo e a desesperança de suas respectivas épocas.

Assim, “Vingança & Castigo”, na Netflix, de Jeymes Samuel não apenas entretém, mas também oferece uma reflexão profunda sobre a vingança, a justiça e as complexas realidades raciais, estabelecendo um diálogo entre passado e presente que ressoa fortemente na atualidade.


Filme: Vingança e Castigo
Direção: Jeymes Samuel
Ano: 2021
Gênero: Faroeste
Nota: 9/10