Último dia para assistir na Netflix ao melhor filme de suspense brasileiro da década Divulgação / RT Features

Último dia para assistir na Netflix ao melhor filme de suspense brasileiro da década

Quando se trata de dissecar a alma brasileira, Sérgio Buarque de Holanda se destacou com sua análise penetrante em “Raízes do Brasil”. Lançado em 1936, o livro mergulha na psique coletiva do Brasil, destacando nossa tendência à socialização e a facilidade com que expressamos nossos pensamentos, nem sempre com a devida consideração pela lógica ou decoro. Essa abordagem emocional, segundo Holanda, é influenciada pelo ambiente tropical do país, que favorece a expressividade em detrimento de uma postura mais reservada ou reflexiva.

No domínio cinematográfico, Gabriela Amaral Almeida abraça e expande esses conceitos em “O Animal Cordial”, uma obra que explora as profundezas da cordialidade brasileira com uma lente crítica. Ambientado num cenário urbano e corriqueiro, um restaurante em São Paulo, o filme tece uma narrativa que entrelaça a gastronomia com a violência, sugerindo que sob a superfície da hospitalidade podem se esconder impulsos mais sombrios.

O restaurante de Inácio, retratado no filme, evoca a imagem de um empreendimento familiar tradicional, mantido mais por dever e orgulho do que por lucro. Murilo Benício, no papel de Inácio, é o epicentro dessa trama, cercado por clientes e funcionários que compõem um microcosmo da sociedade com suas próprias histórias e segredos. Entre eles, um policial aposentado buscando novas experiências culinárias, um casal jovem em busca de intimidade e um par de criminosos que precipitam o drama central.

Almeida aproveita o talento de seu elenco para criar momentos de intensa emoção e tensão, com destaque para Luciana Paes, cuja atuação como Sara é tanto central quanto transformadora para o desenvolvimento da história. A cineasta utiliza planos fechados para capturar a complexidade emocional dos personagens, criando uma atmosfera carregada de suspense.

A direção de fotografia de Barbara Alvarez e a edição de Idê Lacreta contribuem significativamente para o tom do filme, criando uma atmosfera densa e quase sobrenatural que envolve o espectador na trama. Essa abordagem visual reforça o tema da dualidade entre a cordialidade superficial e os instintos mais primitivos que se escondem por trás das convenções sociais.

“O Animal Cordial” se destaca por sua capacidade de provocar reflexão, utilizando o cenário de um restaurante não apenas como pano de fundo, mas como um personagem em si, que reflete as complexidades e contradições da sociedade brasileira. O filme desafia o espectador a questionar as noções preconcebidas de civilidade e a explorar as camadas mais profundas da natureza humana.

A narrativa é enriquecida por reviravoltas inesperadas que mantêm o público engajado, enquanto desdobra as camadas de cada personagem, revelando suas verdadeiras motivações e desejos. Esses elementos narrativos não apenas avançam na trama, mas também dialogam com as teorias de Holanda, sugerindo uma continuidade e evolução do pensamento sobre a identidade brasileira.

O desfecho do filme, que traz temas de vingança e redenção, ressoa com o público ao oferecer um fechamento que é tanto surpreendente quanto satisfatório, mantendo-se fiel à proposta inicial de explorar a complexidade do caráter nacional.

Em suma, “O Animal Cordial” é uma obra que reflete sobre a essência do Brasil, através de uma narrativa envolvente que combina elementos de suspense e drama para investigar as facetas mais íntimas da sociedade. O filme não apenas entretém, mas também incita à reflexão, fazendo ecoar as ideias de Sérgio Buarque de Holanda em um contexto moderno e provocativo.

Assim, a obra de Almeida, ao lado da seminal “Raízes do Brasil”, oferece um olhar perspicaz e crítico sobre o que significa ser brasileiro, navegando pelas nuances de nossa cordialidade, hospitalidade e, por vezes, nossas contradições. Ambos os trabalhos, cada um a sua maneira, contribuem para o diálogo contínuo sobre a identidade cultural brasileira, revelando as múltiplas camadas que compõem o tecido social do país.


Filme: O Animal Cordial
Direção: Gabriela Amaral Almeida
Ano: 2017
Gêneros: Terror/Suspense
Nota: 9/10