Comédia levinha e revigorante, na Netflix, é dose de humor que faltava para seu dia Divulgação / Televisa

Comédia levinha e revigorante, na Netflix, é dose de humor que faltava para seu dia

Quem conseguisse desenvolver a fórmula que verdadeiramente blindasse as relações, mais que muito rico teria lugar garantido em todos os produtos da indústria cultural até o fim dos tempos. Falar-se-ia desse salvador dos namoros, noivados e casamentos com tamanha insistência que seria até provável que terminasse se arrependendo de uma sua proeza — e bem antes disso, já teria se perguntado mil vezes sobre o porquê da descoberta, uma vez que boa parte de quem se compromete com outra pessoa, não o deveria fazer nunca. De qualquer forma, ninguém precisa se preocupar em continuar ao lado daquele ou daquela que a vida, leia-se um dos dois, tratou de separar, pelo contrário; há muito mais gente ocupando-se de dar uma ajudinha ao destino e separar de uma vez por todas os ex-amantes preguiçosos, como a protagonista de “A La Mala”, uma comédia de costumes em que o amor é submetido a um teste de resistência, com consequências entre imprevisíveis e traumáticas.

O mexicano Pitipol Ybarraexamina com lupa a hipocrisia dos temas amorosos a partir de um argumento meio delirante, mas cristalino, que aponta para uma certa inépcia das sociedades pós-modernas no que respeita a ouvir, entender, colocar-se na posição do outro, imaginar que existem dores sobre as quais não tem poder. Mas apelar a soluções mágicas é sempre mais fácil.

Uma mulher linda chega ao balcão de um bar e pede um copo de Esperanto. Ergue a taça, beberica um gole, se vira para o salão e derrama quase tudo no peito de um homem que se aproximava, com as consequências já estimadas. Os dois rompem um diálogo sem muita firmeza, cada qual tentando mostrar sua melhor versão,  suas qualidades menos óbvias, esconder seus defeitos mais gritantes, até assumirem um flerte público, que terminaria na cama se os dois fossem solteiros.

Maria Laura, a Mala do título, é um gênio da sedução. Por mais que sua pele aveludada, seus olhos de mel e seu sorriso de derreter geleiras na lua sejam-lhe de grande utilidade, sem a desfaçatez adquirida e melhorada com anos de estudo dos princípios do drama não conseguiria encantar homens de todos os feitios e, assim, provar a suas respectivas parceiras que não são os santos que elas tolamente achavam. Recebido o cachê, vai para casa e se transforma. Aislinn Derbez marca bem os limites de sua personagem, como se essa distinção fosse fundamental para que mantivesse sua sanidade, para que não se esquecesse nunca de que é uma garota comum, morando com Kika, a melhor amiga interpretada por Catherine Papile, e tendo de aturar Pablo, o agregado que se multiplica pelo apartamento esvaziando a geladeira e fugindo do rateio do aluguel, com Luís Arrieta personificando os respiros cômicos que prestam-se a marcas pars que o roteiro de Ari Rosen e Issa López avance e trate de questões outras do cotidiano da protagonista. A trama retrocede oito meses a fim de que o espectador saiba por que Mala decidira enveredar por esse, vá lá, ofício e se tornar uma espécie de justiceira da paixão, até que o tiro sai pela culatra. 

Santiago, um megaempresário da indústria de bebidas, a atropela como um porre de tequila e, como ela sabe que será difícil resistir, aceita o conselho de Oscar Wilde (1854-1900) e se entrega. Mauricio Ochmann dá vida a um homem sofisticado, que a leva a seu palacete suspenso onde toca Rachmaninoff ao piano, mas ninguém ousa dizer que seja apenas isso que a fascina nele — e nem a entrega, no dia seguinte, de um caminhão de presentes por Álvaro, o assistente gay vivido por Juan Diego Covarrubias. O desafio de Ybarra é persuadir a audiência quanto ao desapego de uma e às boas intenções do outro, o que, por evidente, alcança, mas sem a cumplicidade de quem assiste, que projeta nos dois seus próprios sonhos de amor ideal. E há algum problema nisso?!


Filme: A La Mala
Direção: Pitipol Ybarra
Ano: 2015
Gêneros: Comédia/Romance
Nota: 8/10