A comédia europeia na Netflix que vale por uma sessão de psicanálise Aliocha Merker / DCM Pictures

A comédia europeia na Netflix que vale por uma sessão de psicanálise

Escrito por Thomas Meyer e dirigido por Michael Steiner “O Despertar de Motti” chegou a ser a submissão suíça de melhor filme internacional no Oscar de 2019, mas não chegou na indicação final. Uma comédia dramática que observa a dinâmica familiar de judeus-ortodoxos na Suíça, o longa-metragem se apropria de clichês e estereótipos para construir sua comicidade.

O protagonista, Motti (Joel Basman), quebra a quarta parede para conversar com o público sobre as expectativas em cima de um jovem judeu ortodoxo comum: nascer, ser circuncidado, passar pelo bar mitzvah, shiduch (os casamentos arranjados), ter muitos filhos, trabalhar, envelhecer e, finalmente, morrer. Motti está se tornando um adulto e sua mãe está ansiosa para casá-lo o mais rápido possível com uma boa moça de sua comunidade judaica, mas ele não está tão empolgado assim.

As relações tóxicas e abusivas de pais com os filhos são abordagens frequentes no cinema, especialmente nas comédias, que dão um jeito de transformar as situações mais tensas e absurdas em cômicas. Podemos até ficar escandalizados com algumas dinâmicas de relações entre pais e filhos que vemos na ficção, mas, convenhamos, a vida real também está cheia de pais autoritários, narcisistas e chantagistas. Não necessariamente há uma cultura ou religião que justifiquem esses casos. Nós apenas normalizamos que adultos usem de sua influência parental para manipular e fazer terrorismo psicológico em seus filhos.

Este é o caso de Motti que, após passar por diversos shiducs, conhece Michal (Lena Kalisch), com quem combina de fingir noivado. Ambos estão cansados de passar pelos rituais de casamento dos pais e querem apenas uma pausa dos encontros desconcertantes e contínuos com outras pessoas do sexo oposto. A repulsa particular de Motti pelas garotas de sua comunidade se dá, principalmente, porque todas elas o lembram de sua própria mãe. Mas o jovem está com um problema muito maior que apenas cansaço mental pela pressão de sua mãe: ele está apaixonado por Laura (Noémie Schmidt), uma garota de sua faculdade sem raízes judaicas (shiksa). Sabendo que ela jamais será aceita por seus pais, Motti se aproxima e começa a sair com a moça escondido da família. Durante esse período, ele começa a se desconstruir de suas tradições, removendo a barba, trocando os óculos por um modelo mais moderno e vestindo roupas menos sociais.

No entanto, após revelar que o casamento com Michal era apenas uma farsa, ele é enviado pela mãe para Israel para conhecer uma verdadeira garota judia. Mas lá ele acaba parando em um círculo secular de Tel Aviv e fazendo aulas de yoga, onde conhece Jael (Meytal Gal Suisa), alguém que supostamente agradaria sua mãe por ser uma judia genuína. Mas ao contrário dos costumes mais ortodoxos, Jael não quer compromisso. Ela e Motti exploram sua sexualidade, mas ela se nega a ir com ele até Zurique para conhecer sua família: “É apenas sexo”, ela diz. Quando Motti repassa a mensagem de Jael para sua mãe, Judith (Inge Maux), um tipo dramático, exagerado e controlador, ela tem um colapso nervoso. Mas este ainda não será o último. Enquanto o idioma do filme perambula entre alemão, iídiche e hebraico, percebemos uma confusão natural de seu protagonista de encontrar sua verdadeira identidade.

Motti retorna para a Suíça e, agora mais sexualmente experiente, se reencontra com Laura, com quem vive uma noite romântica. Ele decide apresentá-la para seus pais, mas as coisas se sairão ainda piores do que ele previa. A situação faz com que Motti se sinta completamente sem o controle de sua própria vida. Perdido, solitário e infeliz, ele precisará encarar sua família e seus sentimentos para descobrir quais caminhos deseja traçar em sua vida.


Filme: O Despertar de Motti
Direção: Michael Steiner
Ano: 2018
Gênero: Comédia/Drama
Nota: 8/10