O filme para românticos incuráveis que acaba de chegar na Netflix e vai estremecer seu coração Rob Baker Ashton / Netflix

O filme para românticos incuráveis que acaba de chegar na Netflix e vai estremecer seu coração

Em seu Soneto de Fidelidade, escrito numa viagem a Portugal em 1939 e publicado sete anos depois em “Poemas, Sonetos e Baladas”, Vinicius de Moraes (1913-1980) definia a impossibilidade de um amor eterno, uma vez que a chama que o mantém vivo, como toda chama, logo se apaga. Já Nelson Rodrigues (1912-1980), sempre dramático, sempre peremptório, alardeava que se o amor morre, é porque jamais foi amor. Independentemente do conceito que mais se aproxime à visão de mundo do freguês, a verdade é que falta o fogo do Poetinha e o drama do Anjo Pornográfico em “Amor à Primeira Vista”, a adaptação de Vanessa Caswill para “A Probabilidade Estatística do Amor à Primeira Vista” (2011), o pretensioso best-seller de Jennifer E. Smith. Cheio de falsa pompa, o livro da americana, graduada em redação criativa pela Universidade de St. Andrews, na Escócia, inaugura uma cadeia de rasas deambulações sobre as aleatoriedades que compõem a natureza do mais humano dos sentimentos, porém o grande problema do filme está mesmo num campo um pouco menos etéreo, manifestado em algumas ocasiões ao longo da hora e meia de exibição.

Uma voz de mulher informa que vinte de dezembro é o pior dia do ano para se viajar a partir do Aeroporto Internacional John F. Kennedy, em Nova York. Os mais de 193 mil usuários que chegam e partem nesse dia, subindo e descendo nas escadas rolantes onde disputam espaço com as imensas bagagens que sem dúvida multiplicam esse número por, pelo menos, três, provocam atrasos de, em média, 123 (será que veio daí o nome daquela empresa?) minutos no check-in e de até 117 minutos na inspeção de segurança. Hadley Sullivan corre contra o tempo para embarcar no voo para Londres, mas o atraso de 240 segundos é muito mais do que a falsa eficiência das companhias aéreas pode suportar. Completam a aeronave 367 passageiros, 412 malas, 340 artigos de mão, quatro animais (junto com as malas, algo a ser revisto com urgência) e 62 almofadas de pescoço, forçados a compartilhar o mesmo ambiente claustrofóbico e respirar o mesmo ar rarefeito por longuíssimas seis horas e 47 minutos. Todo esse detalhamento no roteiro de Katie Lovejoy só para explicar que Hadley, a mocinha de Haley Lu Richardson, está prestes a encontrar o amor de sua vida, mas como se vai ver, a história de sonho de uma noite de verão tem quase tem muito pouco — é muito barulho por nada, e só. Já se tornaram uma espécie de cânone nesse subgênero a menção, velada ou nem tanto, a Shakespeare que, não duvido que desse sua bênção ao trabalho de Caswill. A grande questão é que as expectativas, mesmo do espectador mais leigo e menos ranzinza, jamais se confirmam. A despeito da aprazível harmonia das coincidências, que fazem com que Hadley conheça Oliver, o viajante que, como ela, também não decola, tudo se esboroa no lero-lero dos diálogos fáceis, extremamente fáceis, para serem consumidos, digeridos e descartados entre um e outro momento livre — e que todos sabemos onde vai dar. Ben Hardy consegue a proeza de ser ainda menos convincente que Richardson, mas leva a vantagem de aparecer menos. 

“Amor à Primeira Vista” tem seu público, claro, assim como os livros de Smith. É bonitinho, mas quem já se viu romanticamente enredado para valer sabe que o amor é feito a vida, cheio de som e fúria. Talvez parecido com um baile a fantasia que serve de funeral antecipado para personagem, no miolo do filme.


Filme: Amor à Primeira Vista
Direção: Vanessa Caswill
Ano: 2023
Gêneros: Romance/Drama
Nota: 7/10