Falar de juventude sem fazer menção ao grande incômodo que define essa fase da vida é, no mínimo, tolo. O estranhamento de todas as coisas, o desconforto perante o mundo e a si mesmo, o ímpeto de transformar tudo quanto já existe, sem muita ideia de por onde começar — e, o principal, de que jeito — quase nunca termina bem. “Jovem Aloucada” faz um passeio nada metódico pela cabeça túrbida de uma garota empenhada em se descobrir a qualquer custo, ainda que essa viagem para dentro de si mesma implique arrastar consigo uma multidão, de amigos, parentes, conhecidos, desconhecidos e, claro, muitos parceiros sexuais, que abandona ou por quem passa a nutrir um sentimento de mórbido interesse ao longo da jornada. A chilena Marialy Rivas põe na boca e nos gestos de sua protagonista ideias que, a princípio, até podem remontar a libertação, metamorfose, catarse, um expediente terapêutico qualquer, mas que não tardam a degringolar num aumento gradual de outros conflitos, feito se ela tivesse, sem ao menos perceber, detonado uma bomba cujo potencial ofensivo nunca venha a ser adequadamente mensurado. E talvez isso nem a moleste.
O texto de Rivas, Camila Gutierrez, Pedro Peirano e Sebastián Sepúlveda vale-se de passagens entre irônicas, cínicas, fesceninas e melancólicas de Daniela Ramírez para ilustrar o desespero fundamental da anti-heroína, uma revelação a cada novo conflito em que faz questão de chafurdar. Paulatinamente, fica clara a relação doentia que a personagem central, encarnada com acachapante denodo por Alicia Rodríguez, versão aprimorada de Gutierrez, titular do blogue “Joven y Alocada” entre 2005 e 2007, momento em que tentava manter-se viva durante uma adolescência marcada pela necessidade de atirar-se a aventuras sexuais heterodoxas e frustradas ao passo que tentava não escandalizar ninguém, muito menos os pais, evangélicos fervorosos. Nos versículos de seus “ebangelhos“, Daniela confessa suas obsessões e suas vergonhas, como o vício em masturbação; as orgias que se sucedem; os delírios persecutórios, em grande parte motivados pela vigilância da família; os possíveis namoros, bregas, que se insinuam e se evolam com a mesma força e uma leviandade preocupante. A página, claro, é um sucesso, até que a identidade da moça é descoberta pela direção da escola que Daniela frequenta. Todo esse pseudodesassombro com uma sexualidade patológica que se esfacela dia a dia rende-lhe a expulsão do colégio, mantido por uma entidade religiosa, e Teresa, a mãe pintada com as tintas de uma crueldade artificiosa por Aline Kuppenheim, fecha o cerco. A diretora trabalha esse núcleo pesando a mão no maniqueísmo, transformando o caráter ambíguo da personagem-título em certificados de uma moralidade incompreendida, oculta. Quando Daniela foge e se abriga na casa da tia Isabel, de Ingrid Isensee, morrendo de um câncer, parece que algo nela se acende; a performance de Ramírez, destacadamente irregular, acerta o passo, como se a morte fosse, afinal, o elemento que faltava para que um ciclo de perdição e desgraça se fechasse.
Bem-recebido no Festival Sundance de Cinema, criado para incentivar produções autônomas e comercialmente malditas, “Jovem Aloucada” causou uma péssima impressão no Chile, fenômeno equivocadamente atribuído à onda conservadora que elegeu Sebastián Piñera para o quadriênio definido entre 2010 e 2014, quando foi sucedido pela socialista Michelle Bachelet — Piñera foi reconduzido ao cargo, em 2018, para um mandato de mais quatro anos, e passou a faixa presidencial ao neoprogressista Gabriel Boric, apoiado por Bachelet. Controvérsias ocas à parte, “Jovem Aloucada” é um retrato atemporal de uma mocidade embevecida por padrões autorreferentes, cuja natureza ilusória amaciam com o frenesi insano do desejo sem paixão.
Filme: Jovem Aloucada
Direção: Marialy Rivas
Ano: 2012
Gêneros: Comédia/Drama
Nota: 8/10