Saí para catar coquinho e não sei se eu volto

Saí para catar coquinho e não sei se eu volto

O mundo dá voltas. Esse mundo dá voltas ao redor da minha cabeça. Não sou um astro. Não sou o sol. Não sou um rei. Sou só um homem arredio, um tanto sem sal, um tanto sem soul, salpicado de poeira cósmica, conforme um planeta desabitado, sem água, sem atmosfera respirável, sem microrganismos vivos, sem aliados, alinhado a outras séries de conluios interplanetários desprovidos de qualquer significado astrológico relevante. Sou, antes, um homem em constante levante contra si mesmo, uma alma inquieta, sobrenadante, presa dentro de um buraco negro. Alimento-me do leite salobro que pinga das tetas da Via Láctea. Logro perceber que as moscas da decrepitude orbitam dentro do meu triste espaço aéreo. Não têm autorização para aterrissar sobre o que resta da minha paz de espírito. Preciso de mais parâmetros para poder respirar. Preciso sentir o farfalhar do vento sacudindo a penugem dos alvéolos para me certificar de que ainda estou vivo. Não se trata de fazer melodrama. Morre uma estrela por segundo, todo santo dia da semana, no infinito escopo do universo. Seco copos de tinto. Sinto que estou conectado aos seres intergalácticos por meio de contatos imediatos do terceiro grau e descubro que eles também não fazem a mínima ideia do porquê, afinal, existem. Amofinam-se assim como eu. Presume-se que o universo começou com um estalo de dedos e com um flash de luz concebido, por engano ou por descuido, a partir de um ser desconhecido no meio da escuridão completa. Falta um pouco menos de explicações plausíveis para as dúvidas que me afligem. A ignorância preveniria um bocado de sofrimento vão. Vão-se os dedos, ficam os anéis de Saturno. Durmo de olhos bem abertos à espera de que o sono venha. O vinho me dá sono. Contudo, de qualquer forma, ando abstêmio de sonhos. Talvez, isso explique a angústia e o restante. Talvez, não explique coisa alguma. Como eu já disse, tudo funciona de maneira automática, independente e provavelmente perfeita, embora, obscura, no âmago do universo. Os planetas, os asteroides, a lua e as supernovas sempre estiveram ali, alimentando os velhos dilemas existenciais da humanidade. Sinto saudade do tempo em que era um poeta. Uma época áurea da minha existência em que eu dourava pílulas sem me exceder com excessos de passado. O tempo seguiu, a maturidade me freou e o espaço para sonhar ficou mais curto. Tipo uma estrela, dentre tantas outras, quando começa a se apagar.

Eberth Vêncio

Eberth Franco Vêncio, médico e escritor, 59 anos. Escreve para a Revista Bula há 15 anos. Tem vários livros publicados, sendo o mais recente Bipolar, uma antologia de contos e crônicas.