O filme francês mais esperado de 2023 acaba de estrear na Netflix e vai te fascinar e intrigar por 89 minutos

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Relações humanas em que os vínculos se dão de forma compulsória, sem que os diferentes lados tenham qualquer chance de escolha quanto a bloquear ou interditar de vez a passagem por onde trafegam rancores, mágoas, cobranças de sentimentos que há muito atrofiaram e morreram na poeira ácida do tempo, são, em muitas circunstâncias, as que mais resistem ao sobe e desce da vida. Marc Fouchard enumera alguns desses episódios constrangedoramente melancólicos e faz de “O Rei das Sombras” uma boa crônica sobre o atrito a que estamos todos sujeitos no convívio com pais e irmãos, até que deixa inescapavelmente claro que as figuras que protagonizam sua história não são bem o exemplo mais recomendado para se tratar de complicações familiares, por mais delicadas que sejam. Eles são infelizes de uma maneira bastante peculiar como poucos conseguem.

Não há nada de revolucionário na estrutura narrativa do texto de Fouchard, cujo resultado último é um arrazoado cruamente honesto do que é viver nos subúrbios de Paris hoje. Acertadamente, o diretor-roteirista toma a precaução de renunciar a qualquer tentação academicista, e é aí que se encaixa o recorte doloridamente privado que oferece. Uma das muitas ótimas sequências de “O Rei das Sombras” é a do prólogo, momento em que se fica a saber com todas as explicações possíveis — solução que fica a um passo de comprometer a beleza do que é visto e sentido — o que levou aquelas ao estado em que se acham. O enquadramento variando entre afastado, preservando a naturalidade da cena, e muito próximo, pondo as escâncaras as reações dos atores, mostra dois homens passando o tempo com uma partida de awalé numa rua aparentemente tranquila de um distrito mais periférico da Cité des Bastions. O jogo parece sempre fadado ao mesmo desfecho, porque Adama é um oponente de visão acurada. Cego, o personagem de Alassane Diong sabe tudo quanto se passa a sua volta graças a sensibilidade à flor da pele e a um instinto de autopreservação que o tem salvado da desdita que cerca aquelas pessoas sem trégua. Ibrahim, o irmão mais velho, chega pouco depois e então Fouchard principia a revestir seu filme da natureza de saga que o caracteriza.

A maior deficiência de “O Rei das Sombras” é ter elaborar tantos enredos paralelos em pouco menos de hora e meia. A cadência do filme resta acelerada demais em muitos trechos, e pílulas de apuro estético-semântico acabam por se perder na correria de hordas traficantes que investem sem cerimônia contra policiais abnegados. Passagens em que Fouchard aborda a morte do pai de Adama e Ibrahim, filhos de mães distintas, e volta a lidar com a amargura do personagem de Diong algum tempo depois, mergulhando na dor de uma nova perda, sequências das mais poéticas do cinema contemporâneo, por muito pouco não são atropeladas pela urgência em se costurar a vasta teia que se foi armando. Não seria má ideia uma franquia, desde que tudo passasse a acontecer a sua hora e pelo tempo necessário.


Filme: O Rei das Sombras
Direção: Marc Fouchard
Ano: 2023
Gêneros: Drama/Suspense
Nota: 8/10